Título: DECEPÇÃO NA INDÚSTRIA
Autor: Luciana Rodrigues/Ronaldo D"Ercole
Fonte: O Globo, 10/03/2006, Economia, p. 23

Após três meses de alta, produção industrial do país encolheu 1,3% em janeiro

Depois de três meses seguidos de alta, a produção industrial recuou 1,3% em janeiro, na comparação com dezembro, já descontados os efeitos sazonais, informou ontem o IBGE. O resultado da indústria frustrou os analistas do mercado, que esperavam, em média, um crescimento de 0,3% do setor. Houve queda em três das quatro grandes categorias da indústria e em 12 dos 23 segmentos para os quais há ajuste sazonal. Frente a janeiro do ano passado, a indústria cresceu 3,2%, num ritmo um pouco mais intenso do que os 2,7% registrados em dezembro. Nos últimos 12 meses, o setor acumula alta de 2,9%.

Apesar do recuo da produção em janeiro, técnicos do IBGE e economistas do mercado viram o resultado como uma acomodação, e não como uma inversão na trajetória de recuperação do setor. O coordenador de Indústria do IBGE, Silvio Sales, destacou que entre outubro e dezembro houve uma alta de 3,6% na produção, na série com ajuste sazonal:

- A queda em janeiro foi mais intensa justamente nos segmentos que haviam registrado maior expansão em dezembro.

Foi o caso da produção automobilística, cuja queda foi de 7,6% em janeiro, depois de alta de 5,6% em dezembro; e da indústria farmacêutica, que saiu de um avanço de 8,7% para, em seguida, um recuo de 10,2%.

Sales destacou ainda que, nos três meses encerrados em janeiro, houve expansão de 0,6% da indústria frente ao último trimestre do ano passado, o que mostra que o setor não está em tendência negativa. Opinião compartilhada por Estêvão Kopschitz, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea):

- Esse indicador da média de três meses mostra uma perda de ritmo da indústria. Mas não dá para dizer que a produção está caindo.

O resultado da indústria também frustrou as entidades ligadas ao setor. O diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Sérgio Gomes de Almeida, esperava uma alta de 0,5%:

- Para quem achava que a indústria já tinha superado o pior da retração do terceiro trimestre de 2005 e que no início de 2006 já estava de vento em popa, os dados de hoje (ontem) são uma ducha de água fria.

Em sua avaliação, contudo, a queda na produção no início do ano não aponta para uma retração generalizada na indústria. O Iedi estima que o setor vá crescer 4% este ano. A projeção do Ipea é de 4,3%.

O resultado do IBGE foi divulgado logo após a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ter informado que o nível de atividade do setor industrial paulista cresceu 1,5% em janeiro, frente a dezembro, na série com ajuste sazonal. Mas os dados da Fiesp não consideram a produção, e sim as vendas da indústria, o número de horas trabalhadas pelos empregados e a utilização da capacidade instalada pelas fábricas.

Anteontem, o Banco Central (BC) reduziu a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para 16,5% ao ano, num corte considerado modesto por muitos analistas. Mas os economistas não vêem um efeito direto do gradualismo do BC no fraco desempenho da produção industrial. O que é relevante, diz Rafael Barroso, do Grupo de Conjuntura da UFRJ, não é a intensidade do corte de juros, mas sim a manutenção da trajetória contínua de redução das taxas até o fim do ano.

A UFRJ prevê um desempenho melhor da indústria em fevereiro. Mas alguns indicadores que antecipam o resultado do setor mostram diferentes tendências. Segundo cálculos do Ipea, a produção de automóveis recuou 2,6% frente a janeiro, com ajuste sazonal. O consumo de energia elétrica cresceu 0,2%.

Em janeiro, o resultado da indústria só não foi pior porque o setor extrativo mineral cresceu 1,6% frente a dezembro, alcançando o seu maior patamar na série histórica. A indústria de transformação teve queda de 1,9%. Nas diferentes grandes categorias da indústria, o melhor desempenho foi de bens intermediários, com alta de 0,4%. Os bens de capital (máquinas e equipamentos) recuaram 3,6%. Já os bens de consumo tiveram queda de 5,7% no caso dos duráveis (automóveis, eletrodomésticos) e de 1,8% no caso dos não-duráveis (fármacos, produtos têxteis).

COLABOROU Ronaldo D'Ercole

"Para quem achava que a indústria estava de vento em popa, os dados são uma ducha de água fria"

JÚLIO SÉRGIO DE ALMEIDA

Diretor-executivo do Iedi