Título: O FIM DE ABU GHRAIB
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Fonte: O Globo, 10/03/2006, O Mundo, p. 28

EUA anunciam o fechamento da prisão onde torturas mancharam sua imagem no Iraque

BAGDÁ

As forças americanas anunciaram ontem uma decisão há anos esperada por iraquianos e grupos de direitos humanos: o fechamento da prisão de Abu Ghraib. Centro de tortura durante o regime de Saddam Hussein antes de se tornar palco de abusos contra presos cometidos por soldados americanos - num dos maiores escândalos da guerra no Iraque - Abu Ghraib deverá fechar as portas dentro de três meses. Seus 4.537 detentos serão enviados para outra prisão.

- Vamos transferir as operações de Abu Ghraib para o novo Camp Cropper, depois que sua construção for concluída - disse o tenente-coronel Keir-Kevin Curry, porta-voz das forças americanas.

Camp Cropper fica na principal base americana no Iraque, no aeroporto de Bagdá, perto de Abu Ghraib. Abriga atualmente apenas 127 detentos considerados importantes, entre eles Saddam. Novas instalações estão sendo construídas para abrigar presos acusados de insurgência. Abu Ghraib será entregue ao governo iraquiano.

Os EUA já gastaram US$50 milhões para ampliar prisões no Iraque - um total de quatro. Dos 14.589 detentos que mantêm, cerca de oito mil estão na maior delas, Camp Bucca, no sul.

Em 2003, a divulgação na imprensa americana de fotos de presos de Abu Ghraib sendo torturados e humilhados sexualmente por soldados americanos enfureceu muçulmanos em todo o mundo. Mas grupos internacionais continuam levantando sérias suspeitas sobre o tratamento dado pelos EUA a suspeitos de terrorismo, em especial na prisão de Guantánamo, em Cuba, cujo fechamento foi pedido recentemente pela ONU.

Treze rebeldes são enforcados

Washington nega maltratar os presos, mas terça-feira, em seu relatório anual sobre desrespeito aos direitos humanos no mundo, o Departamento de Estado americano se referiu pela primeira vez a suas próprias falhas neste setor. Os EUA, afirmou, descobriram que "sua jornada em busca de liberdade e justiça para todos tem sido longa e difícil", e ainda está "longe de terminar".

A decisão dos EUA de fechar Abu Ghraib foi anunciada num dia em que o Iraque enforcou 13 insurgentes acusados de terrorismo. Segundo o governo, eles admitiram ter participado de "crimes contra iraquianos" e um deles confessou ter sido contratado por um grupo estrangeiro. Esta foi a primeira execução de rebeldes no país, mas em setembro o Iraque já enforcara três homens condenados pela morte de três policiais e ainda por seqüestro e estupro.

A coalizão liderada pelos EUA abolira a pena de morte no Iraque, mas o governo iraquiano a reinstalou em 2004. Apesar de apelos da ONU e de grupos de direitos humanos, o governo argumenta que quer ter a opção de executar Saddam e que a pena capital ajudará a conter a insurgência.

Ao enfrentar ontem no Congresso americano manifestações de preocupação com o risco de uma guerra civil no Iraque, o secretário de Defesa americano, Donald Rumsfeld, afirmou que as forças iraquianas deverão lidar com tal guerra, se esta ocorrer.

- O plano é impedir uma guerra civil e, no caso de isso acontecer, ter as forças iraquianas lidando com isso, na medida em que elas forem capazes - disse ele.

Sem citar datas ou números, o secretário alimentou a esperança de que os EUA reduzam as tropas no Iraque:

- Se as forças de segurança iraquianas continuarem fazendo o trabalho que estão fazendo, não tenho dúvida de que seremos capazes de reduzir o número de soldados.

Rumsfeld e a secretária de Estado, Condoleezza Rice, foram ao Congresso pedir à Comissão de Orçamento do Senado a liberação de mais de US$70 bilhões em fundos de emergência. A maior parte dos recursos seria usada nos conflitos no Iraque e no Afeganistão. Senadores democratas manifestaram o temor de que os recursos sejam usados numa guerra civil, o que Rumsfeld negou.

Condoleezza foi momentaneamente interrompida por um manifestante que gritou "Sangue em suas mãos!" e "Quantos de vocês têm filhos indo para a guerra?". Outro manifestante gritou:

- Demitam Rumsfeld! Essa guerra é ilegal e imoral!

Em Bagdá, o presidente Jalal Talabani adiou por uma semana - além do fim do prazo constitucional - a primeira sessão do novo Parlamento. Seu objetivo é dar tempo aos partidos políticos para que vençam impasses relacionados à ocupação dos principais cargos. Em novos episódios relacionados à violência sectária na capital, três bombas explodiram - uma delas perto de uma mesquita - matando 11 pessoas e três corpos com marcas de tiros foram encontrados.

Escândalo que chocou o mundo

A DENÚNCIA: Em abril de 2004, a TV CBS e a revista "New Yorker" divulgaram fotos que mostravam guardas americanos espancando e humilhando prisioneiros iraquianos. O presidente George W. Bush as condenou.

AS IMAGENS: As fotos que chocaram o mundo mostravam prisioneiros ameaçados por cães, obrigados a se masturbar, a ficar nus uns sobre os outros e a simular cenas de sexo. Segundo relatos, alguns foram estuprados, sodomizados e espancados até a morte.

IMPACTO: O escândalo representou um duro golpe contra os esforços dos EUA para conquistar os iraquianos. A imagem dos EUA piorou também em muitos países, principalmente os de maioria muçulmana. Além disso, o escândalo teve um efeito negativo sobre o ânimo dos soldados americanos no Iraque.

CONDENAÇÕES: Em janeiro de 2004, o Exército abriu uma investigação interna que levou à suspensão de 17 militares - entre eles um comandante - e a um processo criminal. Oito dos acusados foram condenados a penas de mais de dez anos de prisão. A comandante da prisão, Janis Karpinski, perdeu a patente de general.

RELATÓRIOS: Foram feitos dois relatórios sobre o caso, um deles pelo Exército e o outro por uma equipe comandada pelo ex-secretário de Defesa James Schlesinger. Ambos põem a maior parte da culpa sobre os soldados envolvidos e comandantes locais, mas fazem duras críticas ao governo americano.

AUTORIDADES: O secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, disse que duas vezes ofereceu sua renúncia, o que não foi aceito. Bush foi criticado por não ter pedido desculpas ao povo iraquiano.

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