Título: AVANÇOS E RECUOS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 14/03/2006, O País, p. 4
Os avanços institucionais da política brasileira estão, paradoxalmente, na dependência das idiossincrasias de alguns de seus líderes mais expressivos, entre eles o próprio presidente da República, e de métodos retrógrados de fazer política. Por vias transversas, dois dos principais partidos do país, PSDB e PMDB, chegaram às prévias partidárias para a escolha de seus candidatos para disputar com Lula a eleição presidencial deste ano. O PMDB, dividido como sempre por adesistas ao governo do momento, está à beira de decidir-se pela candidatura própria numa prévia que reunirá mais de 20 mil filiados.
O PSDB, na impossibilidade de escolher um entre dois de seus políticos paulistas mais destacados, possivelmente deverá decidir seu candidato em prévias mais modestas, reunindo o seu diretório nacional. Mas há forças poderosas, algumas de cunho puramente psicológicas, agindo para que os dois partidos se definam, não por meio de um colegiado democraticamente ampliado, mas através de conchavos políticos nos bastidores pouco transparentes.
O presidente Lula continua agindo, por meio de políticos de peso como o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o senador José Sarney, para adiar as prévias do próximo domingo do PMDB, na tentativa de impedir que um fato consumado atrapalhe seus planos pessoais, que prevêem o PMDB como parceiro de chapa presidencial ou, na pior das hipóteses, um PMDB sem candidato próprio, fazendo as coligações regionais mais estapafúrdias, e abrindo mais palanques para Lula nos estados.
Se, como tudo indica, os governistas não conseguirem número suficiente para adiar as prévias, Anthony Garotinho e Germano Rigotto, os dois pré-candidatos, ganharão mais um round na dura luta contra os que querem impedir o partido de ter candidato próprio, desta vez alegando a verticalização como pretexto. Há estudos acadêmicos que mostram que o PMDB e o PFL deixaram o protagonismo político para o PSDB e o PT porque ambos desistiram de apresentar candidatos próprios à Presidência da República nas últimas eleições, contentando-se com papéis coadjuvantes, como parece que acontecerá mais uma vez este ano.
Mesmo escolhendo seu candidato no próximo domingo, é provável que o PMDB, na convenção de junho, não referende esse candidato, a não ser que a dinâmica própria da candidatura como fato consumado desencadeie um processo irreversível nas bases do partido. Isso só acontecerá, no entanto, se o candidato que sair das prévias se mostrar competitivo e Lula não aumentar sua vantagem atual. Garotinho e Rigotto anunciaram ontem seus números, cada qual prevendo sua vitória com mais de 60% dos votos.
Já o PSDB, impedido de escolher por consenso seu candidato, talvez defina hoje que a solução é submeter os dois candidatos ao diretório nacional. Se esta for a decisão, terá sido tomada não por um projeto de democratização da escolha do nome, mas empurrado goela abaixo dos principais líderes do partido pela persistência do governador paulista Geraldo Alckmin, que, apesar de se encontrar em posição desfavorável em relação a Serra nas pesquisas de opinião e na preferência dos principais líderes do partido, se recusa a abrir mão da candidatura, especialmente depois de ter se transformado, aos olhos do grande público, de político abúlico em destemido lutador.
Essa disposição insuspeitada anteriormente, pelo menos para o eleitorado não paulista, deu um novo status a Alckmin, que já não pode ser visto como um ¿picolé de chuchu¿, está criando o maior problema interno para o PSDB. O prefeito José Serra chamou ontem sutilmente a atenção para a necessidade de não dividir o partido com a realização de prévias, quase que colocando no colo de Alckmin a culpa pela desunião previsível dos grupos políticos no estado de maior concentração do eleitorado, de onde o PSDB deveria sair forte para tentar derrotar Lula.
O que se vê hoje, no entanto, é um empate técnico entre Lula e qualquer dos dois pré-candidatos tucanos em São Paulo, onde são mais fortes e têm hoje o governo do estado e a prefeitura da capital, ambos com aprovação maciça do eleitorado. O prefeito José Serra ainda tem esperança de demover o governador Alckmin de sua posição irredutível e ser aclamado pelo partido.
Ele tem se referido muito ao que aconteceu com o então governador de Minas Gerais Tancredo Neves, que foi conclamado pelos partidos de oposição na época a sair do governo para disputar a eleição presidencial no Colégio Eleitoral em 1984, o que deu legitimidade política à sua decisão. Já o governador Geraldo Alckmin, depois de se apresentar candidato desde o primeiro momento, não cogita desistir agora e, na pior das hipóteses, considera que somente perdendo nas prévias teria uma saída honrosa para apoiar Serra sem constrangimentos.
Não há prognóstico possível a ser feito caso a disputa vá para o diretório nacional, já que qualquer um dos candidatos venceria em São Paulo por margem pequena de votos. O resultado final ficaria nas mãos dos representantes dos três outros estados mais decisivos, Minas Gerais, Rio e Ceará. Como a candidatura de Serra é amplamente majoritária no Rio, a decisão ficaria com dois dos três membros da Santíssima Trindade do PSDB: Aécio Neves e Tasso Jereissati, que já estiveram mais próximos de Serra do que estão hoje.
De qualquer maneira, se Serra mantiver a decisão de não concorrer nas prévias internas no partido ¿ ontem, quando se declarou candidato pela primeira vez, disse que se a decisão for por prévias, teria que reexaminar a situação ¿ o nome do governador Geraldo Alckmin será anunciado hoje mesmo, sendo improvável que seja dado mais tempo a Serra para que ele se decida.