Título: FALTA DEFENDER O INTERESSE NACIONAL
Autor: RUBENS BARBOSA
Fonte: O Globo, 14/03/2006, Opinião, p. 7

A empresa chinesa Lifan Group está interessada na compra da companhia brasileira Tritec Motors, criada em 1998, no Paraná, com um investimento de US$500 milhões em uma associação entre a Daimler-Chrysler e a BMW.

Apesar dos desmentidos de praxe, as conversações estão em curso e viraram notícia na imprensa internacional (¿Xangai Daily¿ e ¿New York Times¿) e nacional (¿Estado¿ e ¿Gazeta Mercantil¿).

A transação não envolve apenas uma simples operação de compra e venda. Trata-se da aquisição de uma sofisticada empresa brasileira, produtora de motores para automóveis, de alta tecnologia, para exportação, com o objetivo de ser desmontada e transferida para a China.

Essa negociação se insere no movimento recente de aquisições e fusões no mundo desenvolvido, inclusive por empresas de países em desenvolvimento, e nos países emergentes mais industrializados.

A série de aquisições está gerando forte reação nos países onde estão localizadas as empresas cobiçadas. Nos EUA, o Congresso, baseado em considerações de segurança nacional, evitou que a operação de seis dos principais portos, entre eles NY e Miami, passem para o controle da companhia árabe, que recentemente adquiriu a P&O empresa britânica. A França anunciou que irá proteger 11 setores contra aquisições externas; na Espanha, na Alemanha, na Inglaterra e na Itália, os governos também reagem imediatamente. Nos países em que a legislação existente não estabelece restrições à livre circulação de capital, decretos do Executivo e projetos de lei nos parlamentos estão sendo elaborados.

Nesse contexto, observando as medidas que estão sendo tomadas nestes dias pelos países que se apresentam como arautos e baluartes do livre comércio, não deixa de surpreender a reação do governo brasileiro à tentativa pelo governo chinês de adquirir a empresa Tritec do Paraná.

¿O governo brasileiro não pode interferir. Será uma grande perda para o Brasil, mas se trata de uma transação entre empresas privadas. É difícil que haja qualquer interferência do governo¿, teria dito à imprensa uma autoridade ministerial governamental, aparentemente despreocupada com as implicações políticas, econômicas e sociais relacionadas à transação.

Por que a venda? Em decorrência da perda de competividade no Brasil pela apreciação do câmbio e pela alta carga tributária?

Do ponto de vista socioeconômico, como ficará a perda de cerca de 500 empregos diretos, de 75% de componentes nacionais vendidos para a fabricação de motores e de US$250 mi de exportação dessa empresa? E os incentivos fiscais e as obras de infra-estrutura que certamente foram oferecidos pelo governo do estado para a fábrica se estabelecer no Paraná? Esses incentivos serão devolvidos ao governo se a indústria for transplantada para a China?

Do ângulo chinês, segundo se noticia, os entendimentos estão sendo conduzidos não pela direção da empresa Lifan, mas por um alto funcionário do Partido Comunista Chinês, o que mostra o significativo interesse estratégico da aquisição e o pragmatismo de Beijin

O fato de a negociação estar sendo conduzida pelo Partido Comunista Chinês tornaria mais fácil uma interferência do governo brasileiro. A regulamentação das aquisições a fim de resguardar o interesse nacional é necessária e urgente. No caso da empresa do Paraná não se trata de proibição da operação comercial, perfeitamente legítima no contexto do livre comércio e que poderá ser feita de acordo com as regras vigentes no país, nem de manifestação de nacionalismo exacerbado, como é o caso da Espanha contra empresa alemã, ou da França contra empresa italiana, mas pura e simplesmente de contenção de dano.

Há, sim, muita coisa a ser feita para preservar o emprego e o interesse nacional, basta ver o que os EUA e a Europa estão fazendo para defender sua indústria e seus interesses. Caso a operação se concretize, o governo deve buscar impedir legalmente o desmonte e a transferência da fábrica para a China. Na viagem da próxima semana à China, o vice-presidente José Alencar poderia iniciar a reação do governo brasileiro.

Com a palavra o governo (federal e estadual) e o Congresso no sentido de defender o interesse nacional, não em teoria, como muitos gostam de fazer, mas na prática, o que é sempre mais difícil.

RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).