Título: CONSUMO QUE NÃO CABE NO BOLSO
Autor: Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 14/03/2006, Economia, p. 23

Brasileiro gasta mais do que ganha e se endivida. Situação é mais crítica na classe C

Uma pesquisa divulgada ontem pela LatinPanel mostrou que as famílias brasileiras ampliaram o consumo de produtos como alimentos, bebidas e artigos de higiene em 2005, mas isso foi sustentado pelo aumento do endividamento.

Enquanto os gastos cresceram 9% na média dos 42,3 milhões de domicílios abrangidos pela sondagem, a variação da renda familiar foi estimada em 4%. Para cobrir a diferença, 60% dos consultados responderam que fizeram algum tipo de dívida. Além disso, 85% deles chegam ao fim do mês sem qualquer renda.

O consumidor da classe C superou a média do país, com avanço de 10% nos gastos médios. Para sustentar esse padrão de consumo, até mais próximo das classes A e B, ele se endividou também além da média nacional das famílias. Os lares da classe C em 2005 gastaram mensalmente 8% a mais do que ganharam, contra 3% na média do Brasil.

Segundo a sondagem, a classe C está recorrendo a dívidas no crediário e em linhas como cartão de crédito e cheque especial para ampliar o consumo de itens não-básicos. Em 2004, esse consumidor destinou cerca de 33% de seus rendimentos para a compra de produtos como condicionadores para cabelos, sucos prontos, molhos de tomate, salgadinhos e massas instantâneas. Esse percentual passou para 35% no ano passado.

Famílias gastam mais com lazer do que com a educação

Cerca de 53% das compras de vestuário da classe C são feitas no crediário. O percentual chega a 51% no caso dos eletrodomésticos, 42% em móveis e 30% nos supermercados.

¿ Apesar de ter renda mais próxima das classes D e E, o perfil de consumo da classe C se aproxima da A e B. Hoje, o consumidor de classe C compra 42 das 45 categorias de itens mais consumidos pela A e B ¿ disse a diretora Comercial da LatinPanel, Margareth Ikeda Utimura.

Segundo ela, o consumidor do estrato de renda C é o ¿do às vezes¿:

¿ Às vezes, ele experimenta um novo produto, mas a diferença para as classes com maior renda é que ele não consegue manter uma freqüência na compra ¿ disse Margareth, que acredita que há espaço para o brasileiro se endividar mais este ano.

Alguns especialistas, porém, temem que a inadimplência cresça no país.

A pesquisa foi feita ao longo de 2005 em municípios com mais de dez mil habitantes, cobrindo 82% da população domiciliar e 91% do potencial de consumo do país. Foi considerada uma cesta com 70 categorias de produtos, entre alimentos, bebidas, higiene e limpeza doméstica.

A renda familiar média mensal dos domicílios de classe A e B foi calculada em R$2.278 ¿ para gastos mensais de R$2.256. Já nas classes C, D e E, o consumo supera a renda da família. Na C, ela é de R$1.255 e as despesas, de R$1.369. Na D e E, o resultado é R$910 e R$926, respectivamente.

Com um salário de R$1.800, o bancário Carlos Augusto Martins de Aguiar está cortando tudo o que pode para viver com o que ganha. Cortou cartão de crédito e cheque especial, após quitar a dívida de R$2.900 com os dois. Para isso, contraiu outro empréstimo, de R$15 mil, e está endividado por mais três anos, além do financiamento habitacional:

¿ O salário subiu menos que gastos com educação, saúde, alimentação, condomínio. Já cortei celular e tudo mais que posso.

A pesquisa apontou que as famílias brasileiras gastaram mais com lazer do que com educação em 2005. Cerca de 5% dos gastos foram destinados à diversão, contra 2% para educação. Já alimentação fora do lar consumiu 8% da renda familiar média no país.

Dos segmentos da amostra de gastos, a cesta de produtos de higiene pessoal teve a maior alta do volume médio comprado (11%). Depois, aparecem as cestas de bebidas e produtos de limpeza (ambas com 6%).

COLABOROU Cássia Almeida