Título: GASTANÇA DE RESULTADOS
Autor: Cristiane Jungblut, Luiza Damé e Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 12/03/2006, O País, p. 3

De olho na reeleição e com ajuda de Dilma, Lula já dobrou gastos com investimentos

Aqueda-de-braço do fim do ano passado entre os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda) deslanchou o ¿governo de resultados¿ determinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar tirar o foco do escândalo do mensalão e agilizar os investimentos públicos no ano da reeleição. O resultado disso já pode ser visto nos gastos do governo e explica, em parte, o fato de Lula ser hoje o primeiro colocado nas pesquisas eleitorais: os recursos liberados para investimentos nos dois primeiros meses deste ano cresceram 93,5% em relação ao mesmo período de 2005, apesar de o Orçamento de 2006 sequer ter sido aprovado pelo Congresso.

Para acelerar esses gastos, Lula deixou Dilma imprimir novo ritmo à administração, depois da saída do ex-deputado petista José Dirceu da Casa Civil, e determinou à área econômica o pagamento de obras e serviços contratados ano passado, os chamados restos a pagar.

O governo anunciou em dezembro que aceleraria os gastos no início do ano, por causa do limite imposto pela legislação eleitoral, que proíbe a realização de novas obras a partir de julho ¿ a eleição será em 1º de outubro. Normalmente, a equipe econômica segura os gastos no primeiro semestre, para garantir o cumprimento da meta de superávit primário, e amplia as despesas no fim do ano.

Levantamento realizado no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostra que os investimentos praticamente dobraram, passando de R$542,4 milhões nos primeiros dois meses de 2005 para R$1,049 bilhão nos mesmos meses em 2006.

¿ O mercado não tem razão para se preocupar. Nosso compromisso com a austeridade está mantido e Lula tem reafirmado que não vai deixar as eleições interferirem na economia ¿ afirma Paulo Bernardo, ministro do Planejamento.

O aumento dos gastos é visto como uma ação positiva pelo governo e é aplaudido pelo PT e aliados já de olho nas urnas. Mas tem sido criticado por analistas do mercado financeiro, preocupados com a qualidade do gasto público no ano eleitoral. Eles vêem nesse procedimento uma ameaça ao ajuste fiscal.

O levantamento no Siafi, feito pela Assessoria de Orçamento da liderança do PFL no Congresso, considera apenas os restos a pagar do Orçamento de 2005. Os investimentos previstos no Orçamento de 2006 não podem ser executados enquanto a proposta não for aprovada no Congresso.

Os maiores gastos são na área de infra-estrutura, mas houve aumento generalizado dos investimentos. Os gastos da Presidência da República aumentaram 198%, passando de R$4,9 milhões em janeiro e fevereiro de 2005 para R$14,6 milhões no mesmo período em 2006.

Só com a manutenção da malha rodoviária federal foram gastos R$140 milhões, um aumento de 391,2% em relação ao mesmo período de 2005. Em janeiro, o governo lançou a operação tapa-buracos, tentando reduzir as críticas ao estado de conservação das rodovias brasileiras.

Isso em parte aconteceu porque, com a chegada de Dilma à Casa Civil, o cargo ganhou um caráter mais gerencial do que político, com reflexos também na atuação de outros ministérios, que passaram a desengavetar projetos e medidas represados pelo rigoroso ajuste fiscal ditado pela área econômica.

A mudança na Casa Civil e um orçamento mais flexível para este ano têm garantido um ritmo acelerado de lançamento de medidas e pacotes que beneficiam setores diversos da sociedade, o que preocupa fortemente o ministro Palocci. Os resultados não se limitam a medidas que, pelo custo que geram, esbarram na área econômica ¿ como os planos da habitação, para trabalhadores domésticos e de farmácias populares. Mas alcançam áreas de conflitos constantes, como o polêmico projeto das florestas públicas e a construção da BR 163 (Cuiabá-Santarém).

Divergência sobre domésticos

A administração de resultados é festejada pelo presidente Lula, que repete nos discursos que 2006 é o ano de colher as ações de seus primeiros três anos. À frente da tarefa de executar a nova ordem, Dilma enfrentou desgastante disputa com Palocci ano passado, apesar de ter sido, até agora, a única divergência exposta entre os dois.

Depois daquela batalha e segura de que estava cumprindo ordens de Lula, Dilma imprimiu nas arrastadas reuniões com ministros seu estilo decidido, com prazos para discussões, cobrança de resultados e sempre procurando levar ao presidente o problema já resolvido.

Para as afirmações da oposição de que os gastos são eleitoreiros e para os alertas da equipe econômica sobre o risco ao ajuste fiscal, a chefe da Casa Civil tem resposta pronta, já disseminada na Esplanada: gastar de forma correta o Orçamento não compromete o rigor fiscal. Frase que repetiu recentemente numa reunião com ministros, na qual estava o secretário do Tesouro, Joaquim Levy.

Juntamente com a Casa Civil ganharam gás nesta nova fase ministros como o do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. Ele conseguiu emplacar vários projetos para desoneração do setor produtivo. Outros, como Márcio Fortes (Cidades), Hélio Costa (Comunicações) e Saraiva Felipe (Saúde) ¿ nenhum do PT ¿ entraram em 2005 com disposição de mostrar resultados.

A elaboração do pacote para o trabalhador doméstico não foi pacífica no governo. Na negociação, Dilma se aliou aos ministros Luiz Marinho (Trabalho) e Nilcéa Freire (Secretaria das Mulheres). A área econômica resistiu como pôde, mas foi vencida, e a medida divulgada na segunda-feira ¿ não tão bondosa como queria Lula, mas com provável retorno eleitoral.

Quando domina o tema, a ministra toma a frente e muitas vezes dá a palavra final. Foi o caso da punição ao setor sucro-alcooleiro, diante da resistência do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, a uma medida drástica. Mas a punição, com a redução da mistura do álcool na gasolina, não fez baixar o preço do combustível.

Os mesmos ministros que agradecem o empenho para agilizar medidas têm também suas queixas. Na operação tapa-buracos, Dilma criticou governadores e divulgou números antes que o titular dos Transportes, Alfredo Nascimento, entrasse no assunto.