Título: Farra do crédito em nova edição
Autor: Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 12/03/2006, Economia, p. 37

Especialistas acreditam que linhas de financiamento devem aumentar 25% este ano

Aesperada recuperação da economia e a tendência de novas reduções dos juros devem garantir mais um ano de crédito farto em 2006. A estimativa dos especialistas é que bancos, financeiras e lojas despejem no mercado entre R$57,3 bilhões e R$58,8 bilhões em novos financiamentos para pessoas físicas, o correspondente a 3,46% do Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto das riquezas produzidas no país). Em comparação a 2005, o salto poderá chegar a 25%.

Essa cifra considera não apenas o saldo das operações compiladas pelo Banco Central (cheque especial, cartão de crédito, empréstimo consignado, financiamento de bens diversos e veículos e crédito imobiliário) como também uma estimativa para o pagamento de despesas com cheques pré-datados, instrumento de crédito com forte presença no país. Seriam R$38,8 bilhões provenientes do crédito formal e outros R$18,5 bilhões a R$20 bilhões dos pré-datados.

Nem o fantasma da inadimplência, que fez estragos em anos anteriores, parece assustar por enquanto os analistas. É esperada uma elevação dos índices ¿ principalmente neste começo de ano, que concentra grande volume de pagamentos de impostos e também é influenciado pelas vendas fechadas no Natal ¿, mas muito em função do próprio aumento do saldo dos empréstimos.

Ganho de renda alimenta otimismo

Até agora, os dados do BC apontam para uma relativa estabilidade. Considerando o saldo do crédito total, o índice saiu de 6,2% em janeiro do ano passado para 6,7% em dezembro. No primeiro mês de 2006, ainda segundo o BC, foi a 6,9%. Esses dados consideram os créditos vencidos há mais de 90 dias. A previsão inicial para fevereiro é de algo próximo de 7%.

Outro indicador é o da Serasa, que mede a inadimplência no mês com base numa cesta de índices ¿ como títulos protestados, débitos no cheque ou cartão de crédito e atraso no pagamento de carnês. Carlos Henrique, assessor econômico da entidade, estima uma variação de 13,5%, repetindo o resultado de 2005. Mas ele ressalta que a insolvência ainda tem corrido bem abaixo da escalada do crédito ¿ em 2005, por exemplo, para uma alta de 13,5% dos atrasos o saldo dos empréstimos cravou aumento de 37,2%.

¿ Se não houver mudança abrupta na economia, será o melhor dos mundos para o mercado: forte demanda por crédito e inadimplência sob controle ¿ resume Miguel de Oliveira, vice-presidente da Anefac, associação que reúne os executivos de finanças.

A confiança no crescimento do crédito e no controle da inadimplência se baseia em um conjunto de fatores, sendo o principal deles a expectativa de recuperação do PIB. Por tabela, isso reforça também a previsão de continuidade na queda dos juros e de melhora nos indicadores de emprego e renda.

Apesar do recuo de 1,3% da produção da indústria em janeiro, dois outros indicadores divulgados na semana passada apontaram para um cenário positivo. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou que a taxa de formalidade do mercado de trabalho poderá chegar a 54% da população ocupada neste ano, o que representaria o patamar mais elevado da nova série histórica da pesquisa de emprego do IBGE, iniciada em março de 2002. Já dados do Dieese mostraram que 72% dos acordos salariais em 2005 conseguiram reajuste acima do INPC, o melhor resultado em dez anos.

¿ Nossas simulações indicam que só o saldo do crédito consignado voltado aos empregados do setor privado poderá dar um salto de 200% e chegar a R$12 bilhões em dois anos ¿ diz o economista Adriano Pitoli, da consultoria Tendências.

O segmento de pessoas físicas é, de longe, o mais rentável para o mercado, com um spread (diferença entre o custo de captação de dinheiro e o cobrado dos clientes) médio de 40% ao ano. De olho nesse filão, os grandes bancos esperam um crescimento de até 40% neste ano dos empréstimos no varejo, contra 37% em 2005 (segundo dados do BC, com base em mais de cem balanços do setor já publicados).

Controlada pelo Itaú, a financeira Taií lançou neste mês sua primeira campanha publicitária de massa. Criada pela DPZ, a campanha tem o objetivo de posicionar a marca como opção de crédito simples e rápido. O diretor de Controladoria do Itaú, Silvio de Carvalho, não diz o índice de insolvência na Taií, mas admite que é mais alta do que nas linhas regulares do banco (de 3,5%, para os débitos vencidos há mais de 60 dias). Ainda assim, o risco parece valer a pena. A carteira de financiamentos foi de zero no início de 2004 para R$600 milhões em dezembro passado.

¿ Nossa previsão é chegar agora a outros estados, além do Rio e São Paulo ¿ diz Carvalho.

Em outra frente, a Finasa, do grupo Bradesco, lançou o primeiro cartão de crediário com bandeira do mercado. O cartão tem a bandeira Visa e pode ser usado no saque de dinheiro ou no parcelamento de compras em até 12 vezes mensais. A iniciativa está em linha com a estratégia do Bradesco de manter forte presença no mercado de cartões e de operações de financiamento ao consumo.

¿ Uma crise de inadimplência só ocorreria como resultado de uma desaceleração da economia. Não consideramos que isso seja possível ¿ diz o vice-presidente do Bradesco Norberto Barbedo.

ENDIVIDAMENTO DE BRASILEIROS DOBROU EM 5 ANOS, na página 38