Título: PETRODÓLARES DA VENEZUELA INUNDAM O BRASIL
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 12/03/2006, Economia, p. 40

País, que sempre concentrou negócios nos EUA, investe no apoio a aliados políticos da região, como Lula

encomenda de 36 navios

O Brasil está sendo inundado por petrodólares venezuelanos. Em nome da integração regional, o país governado pelo general Hugo Chávez, que historicamente concentrava negócios com os Estados Unidos, abriu seu mercado para os produtos brasileiros comprando aqui US$2,2 bilhões em 2005. Além disso, as construtoras brasileiras têm no país vizinho obras de US$1,5 bilhão.

A Venezuela, por sua vez, está investindo US$2,5 bilhões numa refinaria em Pernambuco e encomendará a estaleiros no Brasil 36 navios petroleiros no valor de US$3 bilhões. Estes negócios vão gerar mais emprego e renda no Brasil e devem dar um empurrão na campanha do presidente Lula à reeleição, dizem especialistas.

¿ Sem dúvida, não só Chávez, mas também outras lideranças compartilham a visão de que o projeto de integração será mais facilmente implementado tendo vizinhos como aliados ¿ analisa o diretor do Observatório Político Sul-Americano (Obsa) do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Marcelo Coutinho. ¿ Chávez, com seu petróleo e seus dólares, vem apoiando aliados que possam garantir mais homogeneidade política na região. Nesse sentido, os recursos da Venezuela podem ajudar a reeleger o presidente Lula ¿ diz.

¿ A decisão de encomendar os navios ao Brasil foi política. Eles (governo Chávez) nem olharam o preço ¿ diz um executivo de comércio exterior.

Há uma lógica empresarial na aliança entre os governos da Venezuela e do Brasil: junto com a Argentina, eles planejam formar um eixo comercial em torno do qual outros países da região se juntariam, raciocina Coutinho. O chefe da Seção de Política e Comunicação da Embaixada da Venezuela, Nelson Gonzales, confirma o componente político nos negócios.

¿ Antes de Chávez, os negócios da Venezuela eram concentrados nos Estados Unidos. Agora, a política é ampliar relações com outros países da América Latina. O alinhamento ideológico com o governo do Brasil é um importante fator de aproximação ¿ disse Gonzales, ao ser procurado para comentar o patrocínio da Petróleos de Venezuela (PDVSA) à Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, que venceu o carnaval no Rio. Gonzales não confirma, mas especula-se que o investimento teria sido de R$1 milhão.

Nos últimos dois anos, a Venezuela foi o país que mais aumentou importações de produtos brasileiros, afirma o presidente da Câmara Venezuelana Brasileira, José Francisco Fonseca Marcondes Neto. Aparelhos celulares, veículos e outos itens industrializados são 90% do total vendido.

¿ Nos últimos anos, graças à receita de petróleo, a Venezuela se tornou um ótimo cliente para os manufaturados brasileiros e também para serviços ¿ informa o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro.

Além do saldo comercial recorde de quase US$2 bilhões em 2005, o Brasil cresce nos serviços e já tem mais de US$1,5 bilhão em obras naquele país, informa Marcondes Neto.

As empresas brasileiras também estão sendo atraídas para lá. São gigantes como Petrobras, AmBev e Odebrecht e outras como a Consilux Tecnologia, que exporta equipamentos de trânsito para o país e tem projeto de construir um conjunto habitacional em Caracas, informa o diretor Aldo Vendramin.

Com a segunda maior reserva de petróleo do mundo e beneficiado pela disparada dos preços do produto, a Venezuela está com o caixa em alta. E o referendo de agosto de 2004 consolidou o poder de Chávez e pôs fim à sucessão de crises políticas iniciada com a tentativa de golpe comandada por ele em 1992.

Ao ser eleito pela primeira vez em 1998 e reeleito em 2000, Chávez passou um longo período de embate com os grupos então dominantes. Chegou a sofrer um golpe em 2002, que o manteve fora do poder por 47 horas, enfrentou greves e recessão econômica. O país voltou a crescer em 2003, consolidando a expansão, que foi de 9% em 2005.

No período recente de bonança, informa Coutinho, Chávez iniciou investidas na região: comprou títulos do Equador para ajudar o país que perdera o crédito internacional; fez o mesmo pela Argentina; e aumentou as importações de carne do Uruguai, em crise política.

Agora, o governo Chávez busca diversificar a sua indústria ¿ ainda incipiente se comparada à brasileira ¿ e a matriz energética, baseada no petróleo. Quer ainda ampliar o uso do gás, construir hidrelétricas e uma usina nuclear.

¿ O plano estratégico da Venezuela é passar de potência do petróleo a potência energética ¿ acrescenta Coutinho.

A relação com a região ficou fortalecida pela decisão de deixar a comunidade andina e ingressar no Mercosul.

¿ Desde o governo anterior, a Venezuela tem interesse em ser o grande fornecedor de energia da região ¿ diz o diretor da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) no Brasil, Renato Baumann.

Segundo ele, a pavimentação da estrada Manaus-Caracas, há alguns anos, teve impacto importante no escoamento de produtos da Zona Franca de Manaus.

Foi pelo mercado do Norte-Nordeste que a PDVSA iniciou sua entrada no Brasil. Além da refinaria em Pernambuco, a estatal venezuelana já atua na distribuição de derivados no Pará. São 12 postos no estado.

A PDVSA também estuda, com Brasil e Argentina, construir um gasoduto ligando os três países, orçado em US$20 bilhões.