Título: ALCKMIN É O ANTI-LULA?
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 15/03/2006, O País, p. 4

Embora não esteja, na largada, em posição competitiva para a disputa presidencial, o governador Geraldo Alckmin terá, apesar das aparências de divisão interna, um ambiente menos conturbado, dentro e fora do PSDB, do que o que encontrou o atual prefeito José Serra quando foi candidato em 2002. Naquela ocasião, Serra teve de dar muitas cotoveladas para se transformar em candidato viável, dentro e fora do partido. Cotoveladas que reforçaram a fama de agressivo e dificultaram as relações políticas com o PFL e parte do PMDB, partidos que compunham a base do governo Fernando Henrique e que acabaram ¿lulando¿, pelo menos em partes importantes.

O rompimento com o PFL, porém, não teve início com a escolha de Serra como candidato à Presidência, nem mesmo quando, em 2001, o então deputado Aécio Neves decidiu quebrar um acordo tácito entre a base tucana e ganhou o apoio do PMDB contra a candidatura do PFL para presidente da Câmara.

Já em 1999, tendo como pano de fundo a queda de popularidade de Fernando Henrique depois da desvalorização do real, logo após sua reeleição, o PFL já ensaiava lançar candidato próprio, na figura do então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães. A disputa pelas presidências da Câmara e do Senado, dois anos depois, apenas deixou explícita a união entre PSDB e a maioria do PMDB, que acabou sendo a coligação que disputou contra Lula um ano depois.

Antonio Carlos Magalhães foi pivô da divisão de então, e tornou-se um grande aliado de Lula depois que seu partido teve que desistir da candidatura da senadora Roseana Sarney, abortada quando parecia fadada a derrotar Lula, devido a um inexplicável pacote de dinheiro vivo encontrado no escritório de seu marido, Jorge Murad.

A ação da Polícia Federal até hoje é atribuída à influência de Serra, e fez com que parte do PFL e a família Sarney se virassem contra o tucano. Hoje, ironicamente, o PFL, com exceção de Antonio Carlos Magalhães, preferia a candidatura Serra, superados os mal-entendidos. Mas nada indica que a escolha de Alckmin possa ser rejeitada pelos liberais.

Quem deu, no episódio de agora, impensáveis cotoveladas foi Alckmin, enquanto Serra, que tinha a seu favor os números das pesquisas de opinião e o apoio do PFL, nem tentou competir à base da força, mas do convencimento de que seria a melhor opção partidária.

A estratégia não deu certo, e Serra saiu do episódio abatido, mas tendo assumido o papel certo para o momento. Colocou-se à disposição do partido, e não aceitou dividi-lo com disputas de facções. Uma provável derrota na eleição para Lula ficará debitada para sempre na conta de Alckmin que, se não divide irremediavelmente o partido, parece mais fadado ao fracasso por sua própria fragilidade como figura pública nacional.

Serra preservou-se para nova disputa, em 2010, quando, se tudo der certo, estará reeleito na Prefeitura de São Paulo e continuará sendo a referência nacional do PSDB caso, como tudo indica, Alckmin não consiga se eleger. Terá uma provável disputa com o governador de Minas Aécio Neves, mas esta será outra história, no tempo político certo.

Por paradoxal que pareça, o fato de Alckmin ser um candidato mais fraco eleitoralmente faz com que seja mais aceito pelos líderes tucanos, pois para uma improvável vitória precisará mais do apoio de todos, e fará, portanto, mais concessões nos acordos, ao contrário de Serra, que seria o candidato imposto pela preferência do eleitorado e teria o comando total da campanha.

Seu jeito interiorano agrada aos prefeitos no Nordeste e Centro-Oeste, onde Lula está mais forte. Seu jeito ¿família¿ pode capturar a classe média, que havia abandonado Lula e está voltando a apoiá-lo. Na rápida fala que fez ontem ao ser indicado oficialmente, Alckmin já mostrou a direção que terá sua campanha: falou mais em competência e eficiência do que em corrupção.

Ao abrir mão do candidato que aparece em melhor posição nas pesquisas, o PSDB agiu com pragmatismo: preferiu manter a Prefeitura de São Paulo, um pólo de poder importante no país, a arriscar perder tudo de uma vez. Mas também admitiu implicitamente que considera difícil a vitória. A corrida pela Presidência, que já esteve irremediavelmente perdida e praticamente ganha, no momento parece longe das possibilidades tucanas.

A escolha do PSDB põe uma boa parcela de votos de esquerda novamente ao alcance de Lula, um eleitorado que, desiludido com o governo petista, encontrava em Serra uma alternativa viável. Em compensação, recoloca ao alcance do PSDB um voto da elite financeira e empresarial que, temerosa de uma certa ¿independência¿ de Serra em relação à política econômica atual, chegava a preferir a manutenção da equipe chefiada por Palocci, apesar de todas as enrascadas em que o ministro da Fazenda e sua ¿turma de Ribeirão Preto¿ vêm sendo flagrados nos últimos meses.

Alckmin tem uma capacidade de trabalhar as bases partidárias que era desconhecida de seus adversários, e que acabou colocando-o em posição de força no partido, especialmente em São Paulo. Esse trabalho de sapa partidária lhe valeu ontem diversas críticas de adeptos da candidatura Serra, que chegaram a comparar seus métodos com os de caciques políticos como Orestes Quércia, contra os quais surgiu o PSDB.

É provável que a divisão tucana não tenha grandes reflexos na campanha, pois o grupo de Serra, para eleger o sucessor de Alckmin, vai precisar do apoio dessa máquina do governo que ele controla e usa tão bem. Só haveria uma crise séria se, inebriado pela vitória, o grupo de Alckmin começasse a trabalhar para fazer também o candidato ao governo paulista. Mas nada indica que Alckmin seja um suicida político.