Título: SECRETÁRIOS RESISTEM A LEI DE RESPONSABILIDADE
Autor: Chico Otavio
Fonte: O Globo, 15/03/2006, O País, p. 15

Punições previstas no projeto a quem não investir na saúde os recursos obrigatórios dividem fórum no Rio

A aprovação de uma lei de responsabilidade sanitária, que puna as autoridades que não aplicarem corretamente os recursos destinados à saúde, provocou divergências ontem, no último dia do fórum Saúde e Democracia, no Rio. Secretários estaduais resistem à idéia, por achá-la excessivamente policialesca, mas o ex-ministro Humberto Costa alertou que o pacto de gestão assinado recentemente entre União, estados e municípios, estabelecendo o papel de cada um no setor, será ineficaz sem uma lei que garanta o seu cumprimento.

O fórum, uma parceria do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) com O GLOBO e Globo Online, mostrou que o projeto de responsabilidade sanitária, uma versão da lei de responsabilidade fiscal para a área de saúde, não é consenso nem dentro do PT. O secretário nacional de Atenção à Saúde, José Gomes Temporão, disse que o projeto causou mal-estar quando entrou em pauta na gestão de Humberto Costa.

¿ Politicamente, é um equívoco, cria um clima de terror ¿ disse ele no fórum, que tem patrocínio dos laboratórios Novartis, Sandoz e Lilly, e apoio do governo de Minas e do Ministério da Saúde..

Projeto prevê penas de advertência e multa

O projeto de lei, do deputado Roberto Gouveia (PT-SP), prevê a aplicação de penalidades administrativas como advertência e multas. Para defendê-lo, Humberto Costa chegou ontem a reconhecer a eficiência da lei de responsabilidade fiscal implantada no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso:

¿- A lei teve um papel educativo. Não adianta jogar mais recursos na saúde se a gestão não melhorar. O objetivo não é perseguir ninguém. Punição é a última opção.

Mas o presidente do Conass, Marcus Pestana, afirmou que o projeto é policialesco com relação ao gestor de saúde e sua discussão agora é precipitada.

Humberto Costa citou, como exemplo de má-gestão, a rede hospitalar gerida pela Prefeitura do Rio de Janeiro, alvo de intervenção federal há um ano. Para ele, a situação dos hospitais cariocas não mudou.

¿- Está o mesmo caos ¿ disse, referindo-se principalmente ao atendimento de urgência.

Ao saber das declarações de Costa, o prefeito Cesar Maia se limitou a comentar:

¿- É um bobalhão. Não mudou nada.

Farmácias privadas podem ser credenciadas

Humberto Costa alertou para a tendência de estagnação dos gastos com saúde. Ele criticou principalmente os governos estaduais, que tiveram aumento de receita mas encolheram os investimentos em saúde. E admitiu que, no governo federal, é feito um esforço para apenas manter os atuais recursos. Lembrou que os gastos tendem a crescer com o envelhecimento da população, a crescente incorporação de novas tecnologias e as doenças crônicas.

Costa contestou a proposta de privatização de determinados serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente nos hospitais universitários, defendida pelo ex-ministro Adib Jatene. Ele disse que o governo federal provou que, na prática, a medida é desnecessária porque os hospitais-escola já conseguiram se recuperar sem dinheiro privado.

A chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que participou do fórum, anunciou que o governo estuda o credenciamento de farmácias privadas para o fornecimento de nove medicamentos de uso continuado a hipertensos e diabéticos.

O secretário estadual de Saúde do Ceará, Jurandir Frutuoso Silva, criticou o programa Farmácia Popular, que consome anualmente R$ 200 milhões dos recursos destinados à saúde. Para ele, o resultado seria melhor se o mesmo dinheiro fosse aplicado no farmácia básica (os estoques da própria rede do SUS), porque os medicamentos podem chegar às áreas mais remotas. Ele foi contestado por Humberto Costa. O ex-ministro disse que o programa garante o acesso à assistência farmacêutica.