Título: VIDA MAIS LONGA NOS NEGÓCIOS
Autor: Geralda Doca
Fonte: O Globo, 15/03/2006, Economia, p. 25

Menos brasileiros abrem firma própria, mas empresas ficam tempo maior no mercado

Onúmero de brasileiros que abrem um negócio próprio caiu ano passado no Brasil em relação a 2004. No entanto, há sinais de que as empresas criadas são cada vez menos movidas pela necessidade financeira de seus donos e pelo amadorismo e, por isso, estão durando mais. Mesmo que a passos lentos. A conclusão é da pesquisa GEM, que mede o empreendedorismo mundial, divulgada ontem pelo Sebrae. Segundo o levantamento, feito em 37 países, o percentual brasileiro caiu de 13,5% em 2004 para 11,3% no ano passado. Isso significa que, a cada cem pessoas, 11 decidiram ser empresários.

O país aparece na sétima colocação entre os que concentram mais empreendedores, atrás de Venezuela, Tailândia, Nova Zelândia, Jamaica, China e Estados Unidos. Na China, que tem lugar garantido em praticamente todos os mercados, a taxa de empreendedorismo subiu dois pontos percentuais de 2003 para 2005 e, nos Estados Unidos, o percentual sobe consecutivamente.

Dois terços das novas firmas não recebem qualquer assistência

O que chamou a atenção dos especialistas na pesquisa, mesmo com a queda do empreendedorismo detectada, é que a taxa de empreendimentos nascentes ¿ empresas existentes com menos de três meses de vida ¿ caiu de 5% em 2004 para 3,2% em 2001. Já o percentual de empresas com até 42 meses (3,5 anos) ¿ considerado o período mais crítico na sobrevivência das empresas ¿ ficou estável em 8,2% e dos já estabelecidos passou para 10,1% do total.

Segundo os autores do estudo, o comportamento da economia nos últimos três anos e a geração de empregos tiveram papel fundamental na expectativa maior de sobrevivência das firmas, reforçou o professor do Departamento de Economia da Unicamp Márcio Pochmann. Ele destacou que entre 2001 e 2004 foram criados 6,9 milhões de ocupações sendo 5,4 milhões assalariados formais e informais e 1,5 milhão de empreendedores.

¿ Com mais empregos, a pessoas são menos forçadas a abrir um negócio próprio apenas para sobreviveram ¿ disse o diretor do Sebrae Luiz Carlos Barboza.

A ex-dona de casa Ivana Stoimenof disse que sempre teve vontade de ter um negócio próprio. Esperou os filhos crescerem e decidiu aproveitar uma oportunidade no mercado: produzir alimentos vegetarianos, típicos da culinária brasileira, como feijoada, bobó e picadinho. Está há dois anos no mercado e seus produtos já disputam as prateleiras de supermercados com as gigantes Sadia e Perdigão.

¿ Vegetariana desde 1981, resolvi me aperfeiçoar no que já sabia fazer, que é comida. Fiz vários cursos, montei um plano de negócios e estou firme no mercado ¿ disse a empresária, que planeja lançar novos produtos como quibes, almôndegas e massas.

A empresária, no entanto, faz parte de um grupo ainda pequeno de brasileiros que procura orientação técnica na hora de montar um negócio. E este é um fator central para que o tempo de sobrevivência ainda se expanda a passos lentos. Segundo a pesquisa, dois terços dos empreendedores não recebem qualquer assistência, o que atrapalha a competividade dos produtos nacionais.

Quando o fator oportunidade é a principal motivação para a abertura do negócio, o Brasil cai para a 34ª posição, a penúltima, atrás apenas da Croácia (o número de países pesquisados varia de acordo com o item avaliado). A pesquisa revelou também uma realidade nada promissora dos novos empreendimentos brasileiros: as firmas não oferecem produtos novos e estão voltadas aos consumidores no segmento de alta concorrência ¿ varejo de alimentação, beleza e vestuário. Também não exploram novas tecnologias.

¿ Negócios voltados para empresas e inovadores têm mais chances de sucesso ¿ destacou o pesquisador Rodrigo Loures.

Outro resultado desfavorável é o baixo valor dos investimentos brasileiros, conseqüência das dificuldades de acesso ao crédito e altas taxas de juros. Dois terços dos empreendedores aplicaram menos de R$10 mil, sendo que 22% desses iniciaram seus negócios com menos de R$2 mil (valor insignificante, diante do custo de abertura de uma firma, que representa metade disso).

Impostos altos e burocracia prejudicam novos empresários

Carga tributária elevada, burocracia e dificuldade de acesso à infra-estrutura (espaço físico) são as principais queixas dos empresários. Pochmann destacou que o universo de empreendedores de 15,3 milhões de pessoas está à margem das políticas públicas e das medidas de redução da pobreza adotadas no país.

¿ Incluir esse segmento nas compras governamentais e firmar convênios com entidades e instituições de ensino para capacitar esse pessoal pode ser uma das portas de saída para reduzir a desigualdade ¿ disse o economista.

No ranking dos países menos empreendedores estão Hungria (1,9%), Japão (2,2%), Bélgica (3,9%) e Suécia (4%). Economias desenvolvidas e com cobertura previdenciária avançada oferecem menos espaços aos novos empreendimentos. No caso da Venezuela, por exemplo, campeã na abertura de novos negócios, pesaram o desemprego e programas de inclusão do governo.