Título: RISCOS ELEITORAIS
Autor: Carlos Alberto Sardenberg
Fonte: O Globo, 16/03/2006, Opinião, p. 7

Há quatro anos, 15 de março de 2002, uma sexta-feira, o cenário econômico parecia tranqüilo. O dólar valia R$2,34. A Bolsa de Valores de São Paulo fechara o pregão daquele dia a 14.365 pontos, nível razoável. O risco Brasil encerrou os negócios a 687 pontos, um valor até um pouco abaixo da média.

Seis meses depois, 27 de setembro, véspera da eleição presidencial, sendo certa a vitória de Lula, o país viveu uma sexta-feira negra: o dólar chegou a ser negociado a R$4,00, fechando o dia a R$3,87. A Bovespa havia despencado para 8.716 pontos. E o risco Brasil batia nos 2.345 pontos - isso significando que o governo brasileiro, para se financiar no mercado internacional, precisaria pagar uma taxa de juros perto dos 30% ao ano (a taxa dos títulos americanos, em torno de 5%, mais o risco Brasil, 24 pontos percentuais). E isso em dólares que valiam quase quatro reais.

Quem tinha dívida em dólar, com receitas em reais, estava literalmente quebrado. Como o governo brasileiro, que precisou recorrer ao Fundo Monetário Internacional.

Qual o risco de ocorrer coisa semelhante neste ano? Remotíssimo.

Todas as condições macroeconômicas são melhores. O risco Brasil, por exemplo, está no menor nível histórico, abaixo dos 200 pontos. Isso porque a dívida externa pública está praticamente liquidada. O governo tem reservas para cobrir todos seus compromissos pelos próximos dois ou três anos.

A inflação está em queda e a dívida interna, embora continue elevada, tem perfil melhor.

Além disso, o ambiente econômico internacional, hostil em 2002, hoje não poderia ser mais amistoso.

Mas a grande mudança está nas expectativas. A partir de março de 2002, o que movia os negócios era a expectativa em torno do futuro governo Lula, a pior possível, pois baseada nos documentos econômicos oficiais do PT, que pregavam ruptura com o FMI e com o sistema financeiro, incluindo calotes na dívida.

Assim, dólar a quatro reais e risco Brasil a 2.400 pontos representavam o risco Lula, não FHC. Tanto que essa expectativa se dissolveu na medida em que avançava a política econômica comandada pelo ministro Antonio Palocci, baseada nos pressupostos macro da era tucana.

É curioso que, hoje, quase se formou um risco Serra. O prefeito José Serra já não gostava da política econômica desde o começo do governo FHC. Favorável ao chamado ativismo estatal, Serra pertence a uma corrente de economistas que desconfia do livre mercado.

Todos os economistas concordam que o livre mercado tem falhas. Mas alguns acham que as falhas são secundárias, parciais, de modo que o correto é deixar funcionar o mercado, limitando-se a intervenção do Estado a casos específicos (falta de concorrência, nenhum interesse do investimento privado etc.). Outros, entre os quais Serra, entendem que raro é o mercado livre funcionar sem distorções, de modo que o Estado precisa intervir quase sempre e em muitos setores. (Ministro da Saúde, Serra tabelou os preços de remédios e impôs condições restritivas às empresas de planos de saúde, aliás, tão restritivas que essa indústria está desaparecendo.)

Serra não aprecia a autonomia do Banco Central - concedida por FHC e mantida por Lula - acha que o presidente deve, sim, intervir na taxa de juros e no câmbio - posição exatamente oposta ao que se faz hoje na maior parte dos países. Assim, uma candidatura Serra certamente lançaria mais incertezas sobre o futuro da política econômica.

Com Alckmin e Lula, é diferente. Haveria um risco Lula se o presidente resolvesse atender à esquerda de seu partido e revivesse as idéias econômicas anteriores à campanha de 2002. Não há sinais de que o pretenda fazer, mas algo terá de dar à esquerda.

E o risco Alckmin? Não se sabe. O tucano nunca precisou se envolver com a macroeconomia. Tem criticado os juros altos e o dólar barato - mas isso todo mundo faz. Qual a receita para baixar uns e elevar o outro?

Isso Alckmin ainda não disse. Tem conversado com economistas, mas há tendências para todos os gostos. Sabe-se, porém, que o governador apóia a contenção dos gastos públicos. E andou tocando programas de privatização.

Ontem, ele disse que serão surpreendidos os que o tomam por conservador. Surpreendidos como?

Em resumo, parece uma eleição mais tranqüila, mas há coisas que ainda não se sabe.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. E-mail: sardenbergcbn.com.br.