Título: Visões diferentes
Autor: Míriam Leitão/Débora Thomé
Fonte: O Globo, 16/03/2006, Economia, p. 22

Alguém está muito por fora do que está acontecendo nesta eleição. O mercado financeiro acha que existem agora dois candidatos da continuidade da política econômica, mas só 16% dos eleitores querem a continuidade da política econômica. Os tucanos acham que aumentaram as suas chances de ganhar a eleição e a pesquisa CNI-Ibope divulgada ontem mostra que o prefeito de São Paulo era o único capaz de levar a disputa para o segundo turno.

Segundo a pesquisa, 54% querem mudanças profundas na política econômica; outro grupo de 24% se contenta com pequenas mudanças. Manter tudo como está, apenas 16% querem. Mesmo se somados os que querem pequenas mudanças, mas com a manutenção das linhas mestras, com os que querem continuidade, o grupo é minoritário: 40%.

No mercado, reina a seguinte avaliação: Lula será a continuidade da atual política, um governo Alckmin será também de continuidade e a mudança de que ele falou desde o primeiro momento significa apenas diferença no estilo de gestão. Na interpretação dos analistas financeiros, Alckmin será uma espécie, assim, de CEO do Brasil. Sua vantagem seria de se apresentar como um gerente eficiente.

O mais provável é que, para atrair este eleitorado que encomenda mudança, o próprio presidente prometa alterações em vários pontos; muito mais prometerão os candidatos da oposição. Lula, mesmo garantindo manter o superávit primário, por exemplo, já tem tomado decisões de gastos que estão, na prática, erodindo a possibilidade de mantê-lo no mesmo nível sem elevar a carga. De qualquer maneira, Lula já está olhando agora as pesquisas, e a divulgada ontem mostra que, até entre os seus eleitores, 39% querem "mudanças profundas" e 29% "alguma mudança".

Dois banqueiros internacionais, sem grandes posições de investimento no Brasil, estiveram em São Paulo nos últimos dias e ambos conversaram com o dirigente de um grande banco brasileiro. Perguntaram apenas superficialmente sobre eleição. O banqueiro brasileiro ficou com a impressão de que era uma pergunta apenas para constar. O que queriam saber era sobre as empresas brasileiras, mercado de capitais e algumas questões macroeconômicas.

A avaliação que trouxeram é que há muito capital entrando no Brasil. Não o capital de investimento direto, mas o de renda fixa e de ações. As empresas estão baratas ainda e a renda fixa paga um enorme rendimento. Eles querem saber o que está acontecendo aqui. Avaliam que o Brasil tem lá seus problemas, mas é um país no qual um governo de esquerda não mudou a política econômica que herdou do governo anterior.

O eleitor que "quer mudar tudo isso que está aí" na economia - e que soma 54% dos ouvidos pela pesquisa - não disse o que quer mudar. É mais um sentimento que uma plataforma eleitoral. Certamente não quer a volta da inflação alta. Pelo contrário; se ela sobe, o presidente-candidato será punido com a perda de apoio. O eleitor vive até com um pé atrás sobre isso. Mesmo melhorando muito a percepção do governo e do presidente Lula, a maioria ainda tem uma visão pessimista sobre o desempenho econômico. Agora 42% acham que a inflação vai subir. Em dezembro eram 46%.

A pesquisa de ontem mostra o presidente Lula num excelente momento; recuperou posição que tinha na intenção de voto de antes do escândalo político, recuperou em todas as faixas e em todos os recortes. No geral, a aprovação líquida, descontando os que não aprovam, era negativa em três pontos, agora é positiva em 16. Os que confiam no presidente são 53%, e os que não confiam 43%. Lula voltou aqui também a junho de 2005, pré-Roberto Jefferson. Claro que esta posição pode mudar. Nos últimos meses, tanto Lula quanto Alckmin fizeram campanha, mas a visibilidade do presidente tem dimensão nacional. Os tucanos acham que os programas do partido na TV, em maio em São Paulo, e, no país, em junho, vão fixar mais a imagem de Geraldo Alckmin para todo o Brasil. Mas o magro resultado de ontem não é, como sustentam seus defensores, apenas o fato de ele ser pouco conhecido. O que houve é que Alckmin caiu muito. Na simulação de segundo turno, o que era empate técnico virou uma distância de 18 pontos entre dezembro e março. Fazer simulação de segundo turno é apenas um exercício teórico, porque o presidente Lula vence, no primeiro turno, todos que não sejam o agora ex-pré-candidato José Serra. Em relação a Alckmin, Lula avançou 11 pontos.

Há curiosidades interessantes na pesquisa. O percentual dos que desaprovam os juros é de 62%, só um ponto percentual menor do que os que desaprovavam em dezembro. Em termos de rejeição, está no mesmo nível da política de segurança que é desaprovada por 63%.

Na campanha, quando ela começar para valer, o presidente vai ter que reeditar parte das promessas populistas que serviu com abundância na eleição de 2002. O que fará Geraldo Alckmin? Se também seguir nesta linha, vai quebrar o encanto dos que o vêem como um gerente racional com chance de reduzir os gastos públicos que tanto pesam sobre os ombros do contribuinte brasileiro.

O que a pesquisa de ontem mostra é que alguém não está entendendo esta eleição e o desentendido pode não ser o eleitor. Até porque é ele que vota e escolhe.