Título: Mordaça para proteger Palocci
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 17/03/2006, O País, p. 3

Planalto consegue, no STF, calar caseiro que acusa ministro; oposição cobra demissão do petista

Para tentar proteger o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o presidente Lula e o PT declararam guerra ontem à CPI dos Bingos, controlada pela oposição, ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) e conseguir uma liminar que interrompeu o depoimento do caseiro Francenildo Santos Costa, pivô das denúncias que ameaçam a permanência de Palocci no cargo. O caseiro não tinha completado sequer uma hora de depoimento ¿ tempo suficiente, porém, para dizer que confirma ¿até morrer¿ ter visto Palocci na casa alugada pela chamada República de Ribeirão Preto em Brasília ¿ quando saiu a decisão do STF. A liminar incendiou o Congresso e levou senadores de oposição a cobrarem a demissão do ministro.

Num clima antecipado da disputa eleitoral, um dia depois de pesquisa do Ibope mostrar o favoritismo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a decisão de recorrer ao STF foi tomada pelo próprio Lula, em reunião da qual também participou Palocci. A oposição, que até então preservava o ministro, não mediu palavras para pedir sua cabeça e chegou a iniciar um movimento para criar nova CPI no Senado, que centraria fogo nas denúncias contra o PT.

À noite, em solenidade pública, o presidente Lula disse que Palocci continua no cargo.

¿ Presidente, o ministro sai? ¿ perguntou um repórter.

¿ Fica.

¿ Ele pediu demissão?

¿ Não ¿ respondeu Lula.

Lula comandou reação à CPI

A decisão de tentar barrar as investigações da CPI dos Bingos na Justiça está em gestação há pelo menos quatro meses no governo. O mandado de segurança foi impetrado pelo senador Tião Viana (PT-AC) e pedia, além da interrupção do depoimento do caseiro, que a CPI fosse proibida de investigar outros escândalos, como o assassinato de prefeitos do PT; o pagamento da dívida de Lula com o partido, feito pelo presidente do Sebrae, Paulo Okamotto; e a prática de caixa dois em administrações petistas.

O pedido do senador foi atendido em parte. A decisão, do ministro do STF Cezar Peluso, determinou apenas a suspensão do depoimento de ontem. Os demais pedidos, segundo o ministro, serão analisados pelo plenário do STF quando o mérito for julgado. Para interromper a sessão, Peluso concordou com a argumentação de que o depoimento ameaçava invadir a privacidade do ministro.

"Seu depoimento (do caseiro) em nada ajudaria a esclarecer ou provar a suposição de que seria dinheiro oriundo de casas de jogo!", alegou o ministro em seu despacho. À tarde, durante a posse do novo ministro do STF, Enrique Ricardo Lewandowski, o ministro Cezar Peluso reagiu às críticas. Rebateu a acusação de que teria empregado ou estaria empregando três assessores de Ribeirão Preto em seu gabinete:

¿ É mentira que eu tenha três assessores de Ribeirão Preto. Tenho um só e acho que ele nunca viu o ministro Palocci na vida. Que eu sabia não é crime nascer em Ribeirão Preto.

Peluso não quis falar sobre a liminar que parou o depoimento do caseiro na CPI dos Bingos e nem responder às críticas de parlamentares. Disse que não pediu explicações à CPI e que determinou a interrupção do depoimento porque ele já estava ocorrendo:

¿ Juiz não responde a críticas de inquérito. Eu me baseei na Constituição. Era urgente, o depoimento já tinha começado.

Quando a decisão do ministro chegou às mãos do presidente da CPI, senador Efraim Morais (PFL-PB), no entanto, Nildo já havia falado por quase uma hora. Tempo suficiente para reafirmar que vira Palocci por pelo menos dez vezes na casa alugada em Brasília por seus ex-assessores na prefeitura de Ribeirão Preto. As informações contradizem Palocci, que nega ter ido ao imóvel, conhecido como uma ¿central de negócios¿.

Efraim Morais criticou o comportamento do PT e lamentou que o ministro Cezar Peluso não tenha pedido informações à CPI antes de tomar sua decisão.

¿ O PT nos impôs a lei da mordaça, proibindo que um cidadão comum (o caseiro), um homem do povo, prestasse um depoimento ¿ disse o presidente da CPI.

Senador: liminar é deplorável

Alguns senadores consideraram a liminar uma interferência indevida do Judiciário no Legislativo.

¿ A decisão de um homem só, que diga-se de passagem é indicado politicamente (Cezar Peluso foi indicado por Lula), joga para o espaço a independência dos poderes ¿ afirmou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que mais tarde classificou a liminar de deplorável.

Após o fim da sessão, o embate prosseguiu no plenário do Senado. O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) chegou a comparar a decisão do Supremo a um ato da ditadura militar. E atacou duramente o presidente Lula:

¿ A grande verdade é que este governo é um governo de ladrões. No PT tem homens de bem? Tem. Mas o PT tem ladrões, e capitaneados pelo presidente da República, que diz que não sabe nada, mas é o responsável por tudo.

Os governistas defenderam a decisão judicial alegando que a CPI vem extrapolando cada vez mais sua atribuições ¿ as investigações de crimes ligados a casas de bingo. Sobre Palocci, acusaram a oposição de tentar atacar sua vida privada.

¿ A CPI vem rasgando o regimento do Senado. Agi com minha consciência ¿ disse Tião Viana, que criticou a exploração de detalhes do depoimento do caseiro, que, segundo ele, afetam a vida conjugal de Palocci. ¿ Agressivo não é ir à Justiça, é atacar a reputação de uma pessoa explorando mentiras como histórias de camisinha e Viagra (o caseiro contou que sua esposa recolhia os objetos na casa após as festas).

Os petistas também se apressaram a dizer que as novas denúncias não ameaçam o cargo de Palocci. A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) condenou os pedidos de demissão do ministro.

¿ Todo mundo sabe que o único objetivo desta CPI é atingir o presidente Lula. E o ministro é do presidente. Ele (Lula) que decide sobre a sua permanência ou não ¿ disse Salvatti.

OPOSIÇÃO PEDE DEMISSÃO DE PALOCCI E CASEIRO REAFIRMA ACUSAÇÃO nas páginas 4 a 9