Título: COMPARAÇÕES PERIGOSAS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 17/03/2006, O País, p. 4

O mesmo PT que em 1992 foi o responsável por levar à CPI o depoimento do motorista Eriberto França, por meio do senador Eduardo Suplicy, ontem tentou impedir, através de um mandado de segurança do senador Tião Viana, que o caseiro Francenildo dos Santos Costa depusesse na CPI dos Bingos. O depoimento do motorista abriu caminho para o impeachment do então presidente Collor. O depoimento de ontem não oferecia, em princípio, nenhum perigo direto de impeachment do presidente Lula, mas certamente criaria embaraços imediatos para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a quem o caseiro desmentira em entrevista a ¿O Estado de S.Paulo¿. Foi por isso que o senador petista entrou com o pedido no Supremo Tribunal Federal, alegando que questões pessoais poderiam ser abordadas.

Na verdade, queria mesmo impedir que o caseiro confirmasse o que dissera na entrevista ao jornal paulista: que o ministro Palocci era chamado de chefe pela turma de Ribeirão Preto, e que freqüentava a já famosa casa do Lago Sul de Brasília, onde a indigitada turma fazia negociatas e orgias.

Certamente não faz parte do ¿fato determinado¿ da CPI apurar se autoridades participam de orgias, e impedir a exploração de fatos como esses na CPI seria perfeitamente cabível a um senador. Mas o mandado de segurança parece os comunicados da censura federal nos anos de chumbo da ditadura militar. Freqüentemente os meios de comunicação recebiam comunicados de que estavam proibidos de abordar fatos que eles nem mesmo sabiam que estavam acontecendo.

Os comunicados da censura serviam como pista para entender o que se passava nos bastidores do regime militar. Pois ficamos sabendo, de maneira categórica, através do senador Viana, o que incomoda o governo e o PT. Ele simplesmente pediu que o STF impedisse a CPI dos Bingos de investigar tanto os crimes de Santo André, quanto o dinheiro que supostamente o PT recebeu de Cuba na campanha de 2002.

O senador Tião Viana queria que a CPI fosse proibida de investigar até mesmo o uso de caixa dois das campanhas eleitorais do PT, que já está sobejamente apurado e comprovado não apenas na CPI dos Bingos, mas também na dos Correios. Alega ele que todos esses fatos e muitos outros, que atingem o PT diretamente, não fazem parte do ¿fato determinado¿ que deve ser apurado pela CPI dos Bingos, ou seja, o jogo ilegal no país.

Mas toda ligação da turma de Ribeirão Preto com Palocci acaba esbarrando em acusações de financiamentos ilegais de campanha de 2002, da qual ele foi coordenador, com dinheiro de máfias da jogatina. O surgimento de Rogério Buratti nas investigações, e a própria CPI dos Bingos se deveram ao primeiro de todos os escândalos, envolvendo o assessor especial da Casa Civil, Waldomiro Diniz, e contratos da empresa GTech com a Caixa Econômica para jogos eletrônicos.

A partir daí, surgiram conexões com todos os outros casos que estão sendo investigados paralelamente na CPI dos Bingos, todos envolvendo, de uma maneira ou de outra, máfias de jogos. O próprio caseiro Francenildo dos Santos Costa disse que também viu na casa o empresário de jogos angolano Artur José Teixeira Valente Oliveira Caio, apontado por Buratti como doador de R$1 milhão para a campanha de Lula em 2002, através de contato com o próprio ministro Palocci.

A situação do ministro da Fazenda agrava-se à medida que, desde a primeira vez em que decidiu responder às acusações de Rogério Buratti, foi flagrado em versões no mínimo pouco acuradas, quando não apenas mentirosas. Foi assim quando disse que não havia feito contrato com empresas de lixo em sua gestão, e apareceu a fotocópia do contrato.

Ele alegou então que se referia a um tipo específico de varrição. Depois, disse que o PT alugara o avião do empresário Roberto Colnaghi e, desmentido pelo próprio, alegou que se expressara mal, atribuindo a uma falha semântica o que a oposição via como simples mentira. Finalmente, disse que nunca fora à tal mansão no Lago Sul, e foi desmentido por um motorista, Francisco das Chagas, e pelo caseiro que ontem o PT tentou calar.

No mandado de segurança do Tião Viana, ele pede também que o STF impeça a CPI de investigar pagamentos de ¿empréstimos¿ do PT, uma referência ao empréstimo que Lula desconhece e que o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, anunciou que pagou, sem avisar ao amigo. Okamotto não sabe explicar por que pagou em dinheiro vivo ao PT, mas a oposição desconfia que a quantia veio do valerioduto.

O ex-deputado Roberto Jefferson, que desencadeou todo o esquema de corrupção que domina o governo petista, já classificou esse empréstimo como o ¿Fiat Elba do Lula¿. Uma referência à compra do carro por um fantasma de PC Farias, que ligou irremediavelmente o presidente Collor aos desvios de dinheiro de seu tesoureiro, ligação que todos sabiam que existia, mas não se conseguia provar.

O dinheiro do valerioduto para pagar uma conta pessoal de Lula seria essa ligação do esquema com o presidente, que até o momento está conseguindo convencer a maioria da população de que não tem nada a ver com a corrupção que cerca os homens de confiança de seu governo.

Por acreditar em sua inocência, o mesmo eleitorado que exige que o próximo presidente da República seja honesto e competente, considera Lula o favorito para mais um mandato presidencial. A oposição empenha-se em provar que essa falta de relação entre Lula e a corrupção de seu governo é inverossímil.

O apoio da oposição à governabilidade já é passado, e ontem ela pediu a demissão de Palocci da Fazenda. As comparações da situação atual com o caso de Collor mostram que a campanha eleitoral será sangrenta como se esperava.