Título: Nem cestas básicas, nem milagres
Autor: MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO
Fonte: O Globo, 17/03/2006, Opinião, p. 7

Nem cesta básica, nem milagre para acabar com a fome. Soluções simplistas contra a pobreza terão fôlego curto na campanha eleitoral deste ano. Os holofotes sobre os atuais programas sociais do Brasil vão exigir o amadurecimento do debate sobre a assistência social na perspectiva de política pública.

Proteger a população mais vulnerável é responsabilidade legal do Estado e integra o princípio da seguridade social, ao lado da saúde e da previdência. A municipalização das ações prevista na Constituição de 1988 e determinada pela Lei Orgânica da Assistência Social prevê a articulação de programas federais, estaduais e municipais.

Na última década, o país superou a herança da Legião Brasileira de Assistência, marcada por fragmentação de ações e pulverização de investimentos. Existe hoje um esforço para aperfeiçoar a gestão dos gastos sociais a partir de indicadores que orientem a distribuição de recursos, anteriormente determinada pelo clientelismo.

Cartões magnéticos substituíram as cestas básicas. O Bolsa Família, guarda-chuva que abrigou diversos programas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso, acabou ocupando o lugar do Fome Zero. Gestores sociais dispõem hoje de estudos consistentes sobre o impacto das políticas públicas, além de mecanismos de monitoramento e de avaliação desenvolvidos nas universidades e instituições públicas e privadas. Contamos com indicadores sociais e séries históricas de pesquisas a partir do censo do IBGE. O cenário é mais que oportuno para avaliar os resultados das ações de proteção social e discutir maneiras de expandir, financiar e integrar as soluções mais eficientes de combate à pobreza, ou seja, a ¿porta de saída¿ dos programas.

O desafio é avaliar o impacto social das inúmeras práticas inovadoras e aperfeiçoar os modelos de gestão de forma a articular e universalizar as ações sociais mantidas pelo poder público, empresariado e entidades sociais. A tarefa se coloca acima das divergências, especialmente as político-partidárias, pois promover o desenvolvimento social com eqüidade exige esforços conjuntos.

O estado de São Paulo se antecipou à implantação do Sistema Único da Assistência Social e municipalizou todas as ações de proteção social, a partir do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. As prefeituras identificam suas necessidades, planejam como atender à população mais pobre e recebem os recursos estaduais para executar os programas.

Seis mil convênios com entidades foram substituídos por um convênio único de proteção social assinado com cada uma das 645 prefeituras. A cada real investido pelo estado o município deve investir a mesma quantia, com autonomia para aplicar os recursos em abrigos, centros de adolescentes, idosos, programas para drogados, entre outros, de acordo com o Plano Municipal de Assistência Social. Para suprir as deficiências gerenciais, foram oferecidos programas de capacitação aos municípios. O planejamento levou cada prefeitura a identificar suas necessidades e a rede social local, compondo um mapa inédito das demandas sociais de São Paulo.

Por meio de um cadastro único, a Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social centraliza todos os dados e estatísticas da política de assistência e desenvolvimento social no âmbito estadual, municipal e federal. Isso impede a superposição de ações e corrige as injustiças como acúmulo de benefícios.

O registro de 1,2 milhão de famílias de baixa renda permite direcionar os programas para dar prioridade aos mais pobres. Critérios técnicos e de justiça social também orientam os programas de transferência de renda, beneficiando 136 mil famílias abaixo da linha de pobreza, e estimulam 103 mil estudantes de 15 a 24 anos a permanecer na escola. Técnicos da SEADS têm sido convidados para apresentar em outros estados a experiência de São Paulo.

O processo de modernização da gestão da Assistência Social em São Paulo conta com financiamento e apoio técnico do Banco Interamericano de Desenvolvimento para implantar um sistema de monitoramento e avaliação dos projetos. A perspectiva do BID é de que se torne um modelo para programas sociais da América Latina.

A educação é a melhor política social contra a pobreza. Em relação a ações e programas, já não há muito a inventar. Necessária é a competência para aperfeiçoar a gestão das tecnologias sociais existentes e integrar projetos de desenvolvimento social das esferas federal, estadual e municipal. Políticas de longo prazo exigem compromisso, seriedade e firmeza para dar continuidade às boas práticas. O desmonte sistemático de programas sociais a cada eleição representa mais do que desperdício de tempo e recursos públicos. É um desrespeito ao cidadão e compromete a credibilidade das ações futuras na área social.

MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO é professora da Unicamp e secretária de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo.