Título: Horizonte curto
Autor: Míriam Leitao
Fonte: O Globo, 17/03/2006, Economia, p. 22

O que aconteceu nos últimos dias encurta o horizonte de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda. Ele sai desta crise enfraquecido e exposto, mesmo que esteja dizendo a verdade sobre freqüentar ¿ ou não ¿ a casa de Ribeirão Preto em Brasília. Depois de todo o bombardeio, desde que ele foi atingido pelo primeiro estilhaço até agora, é difícil imaginar que Palocci possa vir a ser o ministro da Fazenda num segundo mandato.

Ontem o mercado financeiro começou a olhar com mais atenção para o futuro do ministro Antonio Palocci na Fazenda. A primeira conclusão é de que a saída dele agora não provocaria um grande abalo nos mercados. O dinheiro estrangeiro continua chegando em abundância tanto para ações quanto para renda fixa. E esse capital não entra na discussão de detalhes; os investidores internacionais querem apenas saber as grandes linhas da política econômica e, quanto a isso, nos últimos anos, o país fez um ajuste externo que o permite passar por um momento de incertezas como este de agora. O mercado financeiro também não vê razão para que o presidente Lula mude agora a política econômica; por que a modificaria se ele já pagou em 2003 o preço de ter feito esta opção conservadora? Este é o momento da colheita do esforço feito lá atrás. A inflação está baixa e caindo, alguns bancos já estão projetando a inflação até do fim do ano abaixo da meta. Os juros continuarão caindo nos próximos meses. Em pleno ano eleitoral, a projeção do mercado financeiro para o dólar é de R$2,20 para o fim do ano e o saldo comercial deve chegar aos US$40 bilhões.

Há vários problemas na economia, mas eles não devem aparecer ainda em 2006. Os analistas acreditam é que, se o ministro da Fazenda sair, haverá um momento de volatilidade maior em câmbio e bolsa, mas nada que se pareça ¿ nem de longe ¿ com a crise de 2002, ou com a crise que ocorreria em 2003 se Palocci caísse. O mercado ainda tem esperança de que o ministro permaneça, mas já se considera improvável que ele consiga se recuperar de todos os estilhaços que o alcançaram nesta crise e se mantenha no cargo para o próximo período.

Uma grande questão é quem o substituiria neste momento. O nome que aparece em todas as indicações é o de Murilo Portugal, a solução interna. Esta hipótese é mais desejo do mercado do que fruto de uma análise objetiva. Murilo é um excelente quadro da burocracia brasileira, mas não tem a proximidade que todo ministro da Fazenda tem que ter com o presidente da República. Nos últimos tempos, Murilo Portugal tem falado mais freqüentemente com o presidente Lula, mas continua sendo o que sempre foi: um estrangeiro no governo do PT.

Um segundo nome, talvez mais provável, é o do senador Aloizio Mercadante. O senador tem idéias próprias a respeito da economia e já manifestou estas idéias várias vezes: já criticou as metas de inflação, a política de câmbio, o nível do superávit primário. Ninguém dúvida ¿ nem no PT, nem no mercado ¿ que Mercadante não tem as mesmas idéias econômicas que foram implantadas na Fazenda sob o comando de Antonio Palocci. Apesar disso, o mercado acha que o senador não ousaria fazer nenhuma grande mudança na economia neste fim de governo. Primeiramente, para não criar turbulência em período eleitoral. Depois, porque o vento está a favor.

¿ Ninguém tem dúvida de que, se a inflação subir, a tendência de Mercadante é aumentar a meta de inflação e não aumentar o aperto monetário para garantir o cumprimento da meta. Só que, neste momento, a inflação está convergindo para a meta. Ele não seria colocado neste dilema ¿ diz o diretor de um grande banco.

Na visão do mercado, não há um grande risco de curto prazo, mas, a médio prazo, dependendo de quem substituísse Palocci, haveria riscos de adoção de medidas equivocadas.

¿ Por enquanto, temos zero de risco precificado. Em algum momento, vai ter que se precificar o risco ¿ avalia Alexandre Póvoa, do Modal Asset. Quando ele fala em ¿precificar o risco¿, refere-se à desvalorização que deve ocorrer nos ativos do país para embutir o custo do risco.

Ao contrário do que em geral o mercado pensa, o Palocci não é tão facilmente substituível. Ele foi fundamental para a escolha do caminho seguido pelo PT. Atuou pessoalmente, usando sua força junto ao presidente da República, para evitar várias decisões desastradas como, por exemplo, a de aparelhar o Ministério da Fazenda. O próprio ministro jogou todo o seu prestígio para garantir a nomeação de uma equipe técnica. Enfrentou enormes pressões para não dividir cargos-chave, como a Secretaria do Tesouro e a Secretaria da Receita Federal, só para citar dois exemplos de cargos para os quais haveria indicação política.

Não foi por acaso que o país conseguiu manter a estabilidade. O ministro teve, durante todo este tempo, um enorme papel nisto. Hoje ele se embaralha em questões externas ao Ministério da Fazenda e a grande dúvida é: terá ficado tão fraco que não consegue mais exercer seu papel no cargo? Ele, ao que tudo indica, perdeu a chance de permanecer num segundo mandato. E isso abre a grande incerteza: qual será a política econômica de um segundo possível governo Lula?