Título: Brilho fosco
Autor: Mirian Leitão
Fonte: O Globo, 18/03/2006, ECONOMIA, p. 30

As projeções para a balança comercial continuam boas, com previsões de crescimento de exportações e com saldo em torno de US$40 bilhões. Tudo parece estar bem. O estado de São Paulo quase dobrou o total exportado, de US$20 bilhões em 2002 para US$38 bilhões no ano passado. Mas hoje quem acompanha o dia-a-dia do comércio externo anda muito mais preocupado do que permitem supor estes números.

É importando mais que se exporta mais, mas há quem considere que o crescimento do componente importado no total exportado não está aumentando a produtividade e a competitividade de forma estrutural. ¿ O Japão nos anos 70 e 80 passou por uma grande valorização do iene e continuou exportando muito. Isso porque aumentou muito a parcela importada embutida nos seus produtos exportados. Assim, houve um ganho de eficiência e redução de custos. Mas, no Brasil, algumas empresas estão importando coisas que seriam impensáveis em outro momento ¿ diz o empresário e professor de comércio exterior Joseph Tutundjian. Roberto Giannetti da Fonseca dá um exemplo prático: ¿ Tem gente importando caixa de papelão da África do Sul para embalar exportação para a China. Se não fosse o câmbio não aconteceria isso. Alguns produtos que brilham em nossas exportações são quase 98% produtos importados. Como os celulares. Estão competitivos por causa do câmbio baixo, que incentiva as importações. ¿ Aumentou muito o drawback, ou seja, a importação para a exportação. Setores que apresentam um alto percentual de itens importados no produto final têm competitividade, os que dependem mais de componentes e matérias-primas brasileiras estão perdendo a competitividade ¿ conta Giannetti. Outro fator que permite que as empresas exportadoras contornem os problemas do câmbio é a alta dos juros. Mas isso não é um fator permanente de ganho de competitividade. ¿ É especulação financeira. O exportador fecha o contrato para cinco, seis meses à frente, leva ao banco, desconta. Recebendo o dinheiro adiantado, aplica em CDI. Com 18% ao ano, o exportador matou a valorização excessiva do câmbio ¿ comenta Tutundjian. ¿ A arbitragem contaminou a exportação brasileira. Tem empresas adiantando em três a quatro anos os contratos de câmbio. Elas captam a 4% e aplicam a 15% ou 20%. Assim se tem, na prática, um câmbio de R$2,40 a R$2,50. Mas as pequenas e médias não agüentam. É só para as grandes ¿ diz Giannetti da Fonseca. Com esses mecanismos, as exportações continuam e, mais do que isso, a valorização vai continuar. Tanto Tutundjian quanto Giannetti da Fonseca acreditam que o câmbio vai seguir se valorizando, bater em R$2, podendo ficar abaixo disso, o que acentuará a corrida das empresas exportadoras por fórmulas para contornar os efeitos desta valorização. A saúde dos números do comércio exterior esconde outro problema, que a consultoria MB Associados já demonstrou. Há uma concentração da exportação nas grandes empresas. Ainda que tenha havido aumento do número de empresas exportadoras, os dez maiores setores elevaram de 63% para 70,8% sua participação no total exportado pelo Brasil nos últimos dois anos. E, em vários destes setores, o que alavancou foi o efeito preço provocado pela China. A própria China, no entanto, apesar de ter liberado a importação de soja transgênica brasileira, tem demonstrado que está disposta a usar o peso que tem para derrubar os preços das commodities elevados por sua demanda. O vice-presidente José Alencar chega lá amanhã para negociar alguns destes assuntos problemáticos. O caso mais recente foi o do minério de ferro, que no ano passado subiu 70%. Este ano, o governo chinês interferiu na negociação criando barreiras burocráticas à importação do minério das maiores mineradoras, encabeçadas pela Vale do Rio Doce, para forçar uma queda dos preços. Isso em plena época da negociação anual dos preços. Outro produto que enfrenta dificuldades é o álcool. Tutundjian explica que o Brasil e os Estados Unidos são os únicos grandes produtores mundiais. O Brasil, muito mais competitivo, produz um terço do álcool mundial a um custo que é um terço mais baixo que o americano e menos da metade do europeu. ¿ O problema é que as notícias que chegam no exterior indicam barreiras à exportação criadas pelo governo. São ruídos que deixam o importador em dúvida se o Brasil vai cumprir os contratos ¿ diz Tutundjian. O complexo carne terá este ano um baque provocado pela gripe aviária. O setor frango representa quase US$3,5 bilhões de exportação. A demanda mundial despencou, principalmente a européia. ¿ O que as pessoas não estão se dando conta é de que o comércio mundial está crescendo fortemente. Este ano crescerá 14%; no ano passado, cresceu 18%. Nem sempre será assim. Nos últimos 50 anos só houve duas ou três vezes um momento como este. O Brasil tem que estar preparado para outros momentos. Fazendo acordos de comércio, por exemplo. O país não tem feito acordo algum, nem com a América do Sul. A região passou os Estados Unidos em volume de exportação brasileira, mas precisamos achar novos nichos de mercado e estabelecer novas bases do comércio regional ¿ afirma Giannetti da Fonseca. Há muitos fatores dando ao Brasil a idéia de que a exportação está mais pujante do que parece. O país continua tendo uma logística deplorável, um sistema tributário irracional. E nada fez nos últimos anos para enfrentar estes gargalos que, se retirados, dariam um aumento estrutural de competitividade.