Título: TRÊS ANOS APÓS CPI, UM CRIME AINDA SEM CASTIGO
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 19/03/2006, O País, p. 16

Levantamento mostra que 17 das principais organizações identificadas por comissão estão atuando livremente

BRASÍLIA. Dois retratos de momentos distintos, separados por três anos, revelam uma mesma triste realidade: a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil é um crime sem castigo. Levantamento feito pelo GLOBO com base em denúncias divulgadas em 2003 por uma CPI mista da Câmara e do Senado mostra que, de lá para cá, o mapa da prostituição infantil pouco se alterou. Dezessete das principais organizações criminosas identificadas pela comissão naquele ano, e denunciadas ao Ministério da Justiça, continuam atuando livremente.

Por intermédio delas, meninos e meninas com idades entre 8 e 17 anos, quase obrigatoriamente de famílias pobres, são oferecidos em bordéis, bares, rodovias, portos e ruas de cidades dos quatro cantos do país. Eles são também a matéria-prima para uma rede de tráfico interestadual e internacional de crianças e adolescentes, que abastecem os mercados do sexo de capitais brasileiras, sul-americanas e européias.

Comissão investigou casos em 22 estados

Para investigar os crimes, a CPI fez diligências em 22 estados e ouviu 285 depoimentos. O documento final foi entregue em dezembro de 2003 pela presidente da comissão, senadora Patrícia Saboya Gomes (PSB-CE) ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Trazia, além do relato dos casos, dicas ¿ inclusive com telefones de fontes de informação ¿ para que a Polícia Federal desse prosseguimento às investigações. Thomaz Bastos garantiu ¿total apoio¿ dos agentes federais.

Não foi o que aconteceu. Durante as duas últimas semanas, O GLOBO colheu depoimentos de policiais, promotores e procuradores de Justiça, assistentes sociais, conselheiros tutelares, pesquisadores, vereadores, deputados e moradores comuns das cidades visitadas pela CPI. O que eles contam é um retrato fiel da situação encontrada pelos deputados e senadores há três anos.

Neste cenário, a oferta de sexo nas cidades portuárias brasileiras é um capítulo à parte. Cercado por bares e hotéis que dão abrigo à prostituição de crianças, o Porto de Paranaguá, no Paraná, é freqüentado de dia e de noite. Lá, tripulantes estrangeiros dos navios de carga pagam até US$50 por um programa com crianças. Algumas delas com apenas 11 anos. Quanto mais nova ela é, mais caro custa sua companhia, conta a procuradora do Trabalho em Curitiba, Margaret Matos de Carvalho, que investiga o caso.

¿ Já encontramos meninas de 11, 12 anos. Se for virgem, chega ao ponto de haver leilão ¿ relata Margaret.

A procuradora também descreve a exploração sexual infantil na turística Foz do Iguaçu. A cidade integra uma rota de tráfico de meninas que se prostituem no Paraguai e na Argentina. Também possui bordéis freqüentados, segundo ela, por estrangeiros e autoridades locais. Margaret diz não ter apoio para combater o crime e desaba:

¿ Sinto-me sem força para atuar. Aqui, a exploração sexual está institucionalizada. Se uma dessas casas é fechada, outra abre no dia seguinte e quase sempre no nome de laranjas.

No Rio de Janeiro, a exploração sexual de menores acontece de forma quase imperceptível no ponto mais badalado da cidade de Búzios: a Rua das Pedras. Segundo uma investigação do Ministério Público estadual, os programas, a maioria com estrangeiros, são agenciados por um francês radicado na cidade, que negocia por telefone com os clientes.

Em Soledade, no Rio Grande do Sul, os estrangeiros atraídos pelo comércio de pedras preciosas também alimentam uma rede de prostituição infantil. Ao contrário da maioria dos casos, o crime, denunciado em 2003, foi investigado e dez envolvidos foram denunciados. Mas segundo o vereador José Giovanoni (PT) ninguém foi punido e as adolescentes são ameaçadas.

¿ Umas das meninas que denunciou a atividade teve o marido assassinado. Aqui, a polícia não tem força e o Ministério Público é lento ¿ denunciou o vereador.

Na Paraíba, menores são recrutadas como domésticas

Na Paraíba, o curador da Infância e da Adolescência do Ministério Público, Aderbaldo Soares de Oliveira, conta que no município de Patos menores continuam sendo recrutadas para trabalhar como empregadas domésticas em estados como Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. Chegando lá, no entanto, são obrigadas a se prostituir para sobreviver.

¿ O cafetão ainda é uma figura muito presente em Patos. Os programas são feitos com gente graúda, políticos, empresários ¿ diz ele.

Ao saber que pouca coisa mudou desde o fim da CPI, a senadora Patrícia Saboya criticou a atuação do governo:

¿ Tenho certeza que o combate à exploração sexual infantil não é uma prioridade, apesar da palavra do ministro Márcio Thomaz Bastos.