Título: Fora da área de cobertura
Autor: Mirelle de França, Luciana Rodrigues Leticia Lins
Fonte: O Globo, 19/03/2006, Economia, p. 39

Em 2.443 cidades do Brasil, celular não funciona. Em outras 576, não há concorrência

Atão propagada concorrência na telefonia celular ainda é um privilégio de menos da metade dos municípios brasileiros. Enquanto no Rio de Janeiro o consumidor pode escolher entre quatro diferentes operadoras, em 2.443 cidades do país não há sequer acesso ao serviço, oito anos após a privatização do setor. E, até o ano passado, outros 576 municípios contavam com a cobertura de apenas uma empresa, segundo levantamento do Atlas Brasileiro de Telecomunicações. Os sem-celular vivem em localidades remotas, pouco populosas e, em geral, de baixa renda. Ou seja, com pouco ou nenhum atrativo que justifique os investimentos das operadoras.

De acordo com cálculos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), os 11,54% de brasileiros (21,2 milhões de habitantes) que vivem em locais sem acesso à telefonia móvel, caso fossem atendidos, representariam um acréscimo de apenas 1,5 milhão de novas linhas. É pouco mais que a média mensal de crescimento da base de assinantes do país, que hoje soma 88 milhões. Além disso, segundo dados da consultoria Target, que foram usados no Atlas, os municípios não atendidos por telefonia celular respondem por só 4% do potencial de consumo dos brasileiros.

Especialistas e executivos de operadoras reconhecem que o alcance geográfico do serviço está próximo de seu limite. Nos últimos anos, as empresas vêm batendo recordes no número de clientes ¿ mas sempre nas mesmas cidades ou regiões. Em 2005, foram 20 milhões de novas linhas, mas apenas 185 novos municípios passaram a ser atendidos.

Prefeituras doam terreno para atrair operadoras

Para driblar a falta de interesse por seus mercados, prefeituras estão buscando soluções alternativas, como a doação de terrenos para a instalação de antenas. As empresas, em alguns casos, compartilham redes para economizar custos. O gerente-geral de Comunicações Pessoais Terrestres da Anatel, Nelson Takayanagi, afirma que a agência incentiva as parcerias entre municípios, governos estaduais e operadoras.

¿ Um município com seis mil habitantes na área rural, por exemplo, tem um potencial de venda de 800 linhas, com gasto médio mensal de R$4. Isso significa uma receita para a operadora de R$3.200. Como (dependendo do equipamento) apenas o custo da antena é de R$100 mil, o investimento não é atraente nesses lugares ¿ disse o gerente da Anatel.

Ele explicou, ainda, que ao contrário das concessionárias de telefonia fixa, as operadoras móveis não têm metas de universalização, o que significa que elas podem decidir quando e onde fazer seus investimentos.

Para o presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco, a ampliação da cobertura chegou ao seu limite:

¿ Nas condições atuais, nenhuma (empresa de telefonia) móvel mexe em mais nada. O Brasil já está coberto.

Para o presidente da TIM Brasil, Mario Cesar Pereira de Araujo, o mercado de celular não está saturado e há alternativas para atender a população que ainda não tem acesso ao serviço. Ele cita a redução dos impostos e a utilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para incentivar os investimentos nas regiões não atendidas. Luiz Guilherme Schymura, presidente do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e ex-presidente da Anatel, concorda:

¿ Tem que haver uma negociação entre estados, municípios e operadoras. Algum tipo de redução de ICMS para municípios, que podem colaborar fornecendo estrutura, cedendo mão-de-obra ou o terreno instalar as antenas.

Para Renato Guerreiro, também ex-presidente da Anatel e hoje responsável pela consultoria Teleconsult, o crescimento para as regiões ainda não atendidas se dará, apenas, se houver algum tipo de financiamento às operadoras:

¿ A telefonia móvel é explorada por um regime privado. Elas (as operadoras) atuam onde há resultado econômico, mas não têm a obrigação da universalização. O avanço é um projeto que deve ser financiado.

Enquanto não há redução de impostos ou financiamento que atraia as operadoras, resta aos consumidores dessas localidades se contentarem como telefone fixo. Com 30 mil habitantes e conhecida como a capital pernambucana do bordado, a cidade de Passira, a cem quilômetros de Recife, não tem antena para telefonia móvel. Mesmo assim há mil telefones celulares na cidade. Todos mudos. Ou quase.

`A gente vai espichando o pescoço e gritando alô¿

Com um pouco de boa sorte, os clientes podem até usá-los. Mas é preciso ter bom preparo físico, para subir em morros, telhados, escadas e até muros e, assim, tentar uma carona no sinal da cidade vizinha de Limoeiro, a 33 quilômetros.

É o caso da servidora pública Ana Patrícia Pereira. Ou ela desiste do celular ou fica em cima do muro de sua casa para falar.

¿ O celular vive dentro de uma cestinha, em cima do guarda roupa e sempre na mesma posição. Quando chego do trabalho vejo se tem recado. É falta de respeito ¿ reclama.

Secretária de um escritório de advocacia, Ana Carmélia de Arruda já levou um tombo tentando pegar sinal para o celular. Quando precisa ligar, ela põe uma cadeira perto da janela mais alta do prédio onde trabalha.

¿ A gente vai espichando o pescoço, contorcendo o corpo e fica gritando: alô, alô, heim, heim ¿ afirma Ana Carmélia.

Para o chefe do Departamento de Telecomunicações do BNDES, Roberto Zurli, o mapa da cobertura de telefonia móvel no Brasil é típico de um país com grandes vazios demográficos e econômicos. A universalização da telefonia se deu de forma vertical, ou seja, pelas diferentes classes de renda, e não por meio de sua extensão geográfica, diz Zurli. Os dados da Anatel mostram que, em alguns estados do Norte e do Nordeste, como Roraima, Paraíba ou Maranhão, menos de 30% dos municípios são cobertos. No Piauí, são apenas 16,59%.

No interior, a cobertura está presente principalmente nos eixos rodoviários, para atender aos clientes de grandes cidades que viajam pelo país. Zurli, do BNDES, destaca que as empresas de celular têm feito pesados investimentos, mas principalmente onde já estão presentes.

* Enviada especial a Passira

MERCADO PERTO DA ESTAGNAÇÃO, na página 40