Título: IGREJA VISITADA POR BUSH TORNA-SE POP NA CHINA
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 19/03/2006, O Mundo, p. 50

Lotado de fiéis chineses e estrangeiros, templo protestante surpreende em país onde liberdade religiosa é controlada

PEQUIM. São 10h30m de um domingo frio no bairro de Xidan, em Pequim, e a fila para entrar na Igreja Protestante Gangwashi é enorme. Seguranças tentam organizar a multidão para que os cerca de 500 chineses que saem da missa das 9h30m não se embolem com os cerca de 500 que entram para a missa das 10h40m. Do interior da igreja, ouve-se o piano e o cântico saudando o Senhor.

¿ Deus é nosso caminho e nossa luz ¿, cantam os chineses, em mandarim.

Cerca de 20 estrangeiros acompanham atentos as palavras do pastor com fones de ouvido e um sistema de tradução simultânea.

Igreja já é a mais conhecida fora do país

Num país conhecido pela maneira como controla as manifestações religiosas de sua população, a igreja lotada de Gangwashi surpreende. Segundo Du Feng Ying, uma das pastoras-chefes do templo protestante, algo entre cinco e seis mil chineses freqüentam as missas todos os fins de semana.

E desde que o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e sua mulher Laura, compareceram a uma missa ali em novembro do ano passado, desafiando o governo repressor do presidente Hu Jintao, este número só faz crescer, transformando a Gangwashi na igreja protestante chinesa mais conhecida fora do país.

¿ Muitos me perguntam se é difícil pregar a palavra de Deus num país considerado materialista e ateu. Mas eu digo que a busca pelo conforto espiritual é universal ¿ diz a pastora Du Feng Ying. ¿ Não há conflitos entre a fé e um país.

Sobre isso, há controvérsias. Desde que os comunistas tomaram o poder na China, em 1949, as religiões foram brutalmente coibidas e seus seguidores perseguidos e presos em maior ou menor grau até a abertura econômica dos anos 80, quando ventos mais liberais começaram a soprar sobre o país.

A própria Gangwashi, fundada por missionários cristãos em 1919, ficou fechada de 1966 até 1980 por conta da loucura coletiva em nome do comunismo puro conhecida como Revolução Cultural. A partir da década de 80, o governo chinês passou a se mostrar mais tolerante com as religiões desde que elas não representassem uma ameaça ao poder do Partido Comunista da China (PCC).

Segundo organizações não-governamentais estrangeiras de direitos humanos e religiosos, há centenas de pessoas presas na China hoje por estarem ligadas a igrejas e templos considerados ¿ameaçadores¿. Os que permanecem pregando o fazem sob estrito controle do Partido Comunista.

No caso do cristianismo protestante, todas as igrejas, chamadas patrióticas, estão sob o controle do Escritório do Movimento Patriótico das Três Auto-determinações, ligado ao governo e responsável pela fiscalização do trabalho de evangelização dos fiéis.

Somente maiores de 18 anos podem ser evangelizados na China. Todas as igrejas têm de ser registradas no Escritório do Movimento Patriótico e nenhum grupo cristão pode se reunir fora destes locais registrados. Pastores também são proibidos de pregar fora das igrejas.

Neste ambiente, não deixa de ser uma vitória que a Gangwashi reúna tanta gente em seus cultos. Nas missas, alegradas por um coral de cerca de 15 pessoas, os pastores resumem a pregação aos conselhos de conduta moral e ética típicos do cristianismo, com a valorização do amor ao próximo, do despojamento, da solidariedade e por aí vai. As críticas são aos comportamentos individuais, jamais aos coletivos.

Maioria dos freqüentadores é de classe média baixa

Os fiéis presentes à missa de domingo da Gangwashi são chineses de todas as idades e a maioria, segundo Du Feng Ying, mora nos conjuntos residenciais de classe média baixa das redondezas de Xidan. Yang Zheng, uma professora de 36 anos que comparece à igreja todos os fins de semana, explica seu encontro com Deus:

¿ Eu nunca acreditei em nada até que, em 1998, compareci a uma missa e fiquei tocada profundamente. Foi como se o Espírito Santo tivesse se revelado para mim ali, naquele momento, e eu comecei a chorar. Deus está em todos nós e nós somos a Sua força ¿ diz ela.