Título: BASTA!
Autor: DENIS LERRER ROSENFIELD
Fonte: O Globo, 20/03/2006, Opinião, p. 7

No que vai do ano, o MST e organizações afins, senão afiliadas, já invadiram mais de 60 propriedades rurais, sem falar da ocupação de pedágios, rodovias e sedes do Incra, em um recorde absoluto, jamais atingido durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O desrespeito ao estado de direito e à democracia, tendo como alvo a implantação do socialismo no Brasil, é afirmado com todas as letras por essa organização política em seus documentos e nas declarações de seus líderes. Só não vê quem não quer! Por que o presidente Lula não quer ver?

No jornal ¿Zero Hora¿, RS, nesta última semana, foi publicada uma foto exemplar. O MST para ¿resistir¿ à desocupação decretada pela Justiça armou uma tática de guerrilha, baseada em lanças pontiagudas, cravadas no solo, ao lado de grandes escudos, imensas peças de madeira construídas com tal função. Em visita a Sergipe, no dia 15, o presidente Lula declarou a sua afinidade com os ¿companheiros¿ do MST, afirmando a sua comunidade de objetivos. O que quis dizer ele com isto? Que aprova a invasão da Fazenda Coqueiros no Rio Grande do Sul, altamente produtiva, com ameaça inclusive armada aos seus funcionários? Que ele aprova a destruição da unidade de pesquisa da Aracruz no mesmo estado, com requintes de destruição, onde todo um trabalho de pesquisa de mais de 15 anos foi destroçado? Que ele aprova a invasão de uma unidade agrícola, de pesquisa, da Syngenta no estado do Paraná?

O governo, ademais, age num flagrante desrespeito à lei. A medida provisória que impedia a vistoria de propriedades invadidas e retirava os ocupantes das listas dos beneficiários da concessão de terras não é observada, como se observar ou não a lei ficasse à discrição do presidente, de um ministro ou do presidente do Incra. O escândalo de tal conduta deveria ser propriamente inadmissível. Ora, nada é dito, senão a mesma litania de que o governo não quer ¿criminalizar¿ os movimentos sociais. Se a sua conduta é ilícita, deve evidentemente ser punida com a responsabilização de seus líderes, tanto mais que seu objetivo consiste na destruição da democracia e do ¿capital¿.

Comentando e justificando a invasão do horto florestal da Aracruz, João Pedro Stédile declarou ao ¿Estado de S.Paulo¿ (A15, 12/03/2006) que a ¿reforma agrária não se viabiliza no modelo neoliberal¿, ou seja, torna-se necessário o rompimento com o capitalismo e a implantação de uma sociedade socialista para que ela possa se concretizar. Nesta mesma entrevista, o líder máximo do MST justifica a destruição da pesquisa realizada por estar ela voltada para o ¿lucro¿ e para a ¿produtividade¿ da empresa. A violência seria, nesta perspectiva, o juiz que decidiria o que pode ou não ser feito. Estamos entre a condenação medieval da heresia e o stalinismo.

Um comportamento do mesmo tipo se fez presente numa outra invasão, dias após, numa fazenda de pesquisa da Syngenta. A justificativa foi uma pérola. Ela teria sido feita porque essa empresa não obedeceria a uma determinação relativa ao meio ambiente, por estar próxima a uma reserva ambiental. Ora, se essa empresa comete uma infração, cabe ao Estado fiscalizar e impor uma penalidade se for ela verificada. É a tarefa mesma do Ibama, por exemplo. O MST, porém, não tem poderes de Estado. O que faz ele é cometer uma ilicitude tentando vender a idéia de que repararia uma outra ilicitude, como se fosse juiz e policial, numa evidente usurpação de um poder estatal, própria de movimentos de tipo revolucionário. E o Estado, consente com tal conduta?

As invasoras dessa unidade de pesquisa da Aracruz pernoitaram num seminário capuchinho, ao lado da Igreja Santo Antônio, em Porto Alegre. Elas tiveram o apoio logístico dessa ordem religiosa, que compartilha das posições marxistas do MST e considera Che Guevara uma espécie de mártir. Eles aplicam os princípios da Teologia da Libertação e agem sob o respaldo da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT, elogiou a destruição, embora outros setores da Igreja a tenham condenado. Em todo caso, o Papa Bento XVI, então cardinal Ratzinger, condenou os princípios da Teologia da Libertação, adiantando-se ao que vieram a ser as ações em seu nome feitas. Concorda ou não a CNBB com essa ação de tipo revolucionário?

DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.