Título: PESCARIA É FACHADA PARA TURISMO SEXUAL EM MT
Autor: Rodrigo Vargas
Fonte: O Globo, 21/03/2006, O País, p. 12
Em Cáceres, no Pantanal, a rede de exploração inclui de agenciadores a pousadas e tem como alvo meninas pobres
CÁCERES (MT). O esconderijo é a imensidão do Pantanal. O disfarce, uma semana de descanso e pesca farta. É desse modo que grupos de turistas de todo o Brasil desembarcam na cidade de Cáceres (a 220 quilômetros de Cuiabá) em busca de sexo com meninas e também meninos, quase crianças.
O dinheiro deles movimenta uma articulada e poderosa corrente de exploração sexual, que inclui aliciadores, agenciadores, barcos-hotéis, pousadas e operadores de turismo, e tem como alvo garotas muito pobres.
O homossexual X., que acaba de atingir a maioridade, começou se prostituir aos 9 anos. Hoje, além de cumprir sua rotina às margens da BR-174 (Cuiabá-Porto Velho), atua como agenciador de meninas para todo o tipo de programa. As ¿pescarias¿, inclusive.
No último serviço, providenciou sete garotas para um grupo de visitantes que chegaria de São Paulo. A exigência de seu contratante, proprietário de um barco-hotel, era que todas fossem ¿meninas novas¿.
¿ Nenhuma tinha mais que 17 anos ¿ diz X.
Comida, bebida e sexo com crianças por R$350 ao dia
Cada turista desembolsou o equivalente a R$350 por dia, para um pacote fechado: comida, bebida e sexo com as crianças. Pelos cinco dias de viagem ao longo do Rio Paraguai, cada garota recebeu R$200. O agenciador recebeu o dobro.
Para driblar a fiscalização da Marinha, que exige a identificação de todos os que embarcam no cais da cidade, as meninas foram levadas em barcos pequenos até o ponto de encontro, alguns quilômetros rio abaixo.
O esquema do qual X. faz parte considera garotas de 18 anos veteranas. Na porta das escolas ou na periferia pobre da cidade, a busca é por meninas cada vez mais jovens, menos sujeitas às doenças sexualmente transmissíveis, as DSTs, diz a clientela.
¿ Isso é real, não é invencionice. E a preferência é por adolescentes a partir dos 12 anos ¿ assegura a pedagoga Anair Barbosa Cunha, coordenadora do projeto Sentinela, uma central pública de apoio às vítimas de abuso e exploração sexual na cidade.
No ano passado, por meio de denúncias e ações de fiscalização, 50 garotas foram retiradas das ruas e incluídas pelo projeto num grupo que recebe acompanhamento psicológico e tem acesso a cursos de capacitação profissional.
Cidade portuária, com vocação turística, próxima da fronteira com a Bolívia e às margens de uma rodovia federal, Cáceres concentra alguns dos principais fatores de risco para crianças e adolescentes.
¿ São várias modalidades de exploração sexual, e todas geram demanda por novas garotas ¿ diz Anair Cunha.
O perfil das vítimas raramente muda: meninas (a grande maioria, mas também meninos) com idades entre 12 e 14 anos, muito pobres, escolaridade precária e, com fraca estrutura familiar, a maioria acaba voltando para as ruas.