Título: APAGAR O INCÊNDIO
Autor:
Fonte: O Globo, 23/03/2006, Opinião, p. 6

Os choques entre o Congresso e a Justiça começam a ganhar dimensões perigosas e podem desdobrar-se num conflito do qual ninguém, a sociedade e qualquer dos poderes, sairá vitorioso. Para aumentar os riscos, deve-se admitir que há nas desavenças alguns ingredientes a justificar críticas à forma como certas decisões foram tomadas no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça.

Muito teria sido evitado se os presidentes das cortes, Nelson Jobim e Edson Vidigal, tivessem se afastado antes de tornarem pública a decisão de voltar à vida político-partidária. Assim , não haveria, à disposição do conflito entre tucanos, pefelistas e petistas, um combustível de alta octanagem: a suspeita de influência partidária sobre decisões jurídicas.

O primeiro marco dessa crise surgiu quando o processo de cassação do deputado e ex-ministro José Dirceu passou a ser balizado por liminares do STF. Aos críticos ainda se podia argumentar que os direitos individuais inscritos na Constituição existem, por óbvio, para serem cumpridos. Mas como Nelson Jobim, mesmo depois de confirmar a volta ao PMDB, se manteve no Supremo, criaram-se as condições para o choque. Que passou a ser ainda mais acirrado quando ele, sem desmentidos, entrou nas especulações sobre o companheiro de chapa do presidente Lula. Sucederam-se o veto, pelo próprio Jobim, à quebra do sigilo bancário de Paulo Okamoto, braço direito de Lula, pedida pela CPI dos Bingos, e a confirmação, também por ele, da suspensão do depoimento do caseiro Francenildo Costa na CPI, determinada pelo ministro Cezar Peluso.

No STJ, o ministro Edson Vidigal contribuiu para as desavenças ao invalidar as prévias do PMDB já como candidato virtual ao governo do Maranhão, num escandaloso caso de conflito de interesses. Pois contra as prévias estava o senador José Sarney, a quem o presidente do STJ é ligado.

Todos são fatos incontestáveis. Mas nada justifica afrontas do Congresso ao Poder Judiciário. Ou vice-versa. A integridade dos poderes tem de ser mantida a qualquer custo, independentemente das pessoas físicas que os comandam. A lei, ou a interpretação que a Justiça lhe dá, precisa ser cumprida haja o que houver. Senão, resvala-se para um vale-tudo institucional, em prejuízo da estabilidade do regime.

Choques entre o Congresso e o Judiciário não podem prosperar