Título: VELHO DILEMA
Autor: CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Fonte: O Globo, 23/03/2006, Opinião, p. 7

Fernando Henrique Cardoso relata no seu novo livro, "A arte da política", os intermináveis debates sobre juros e cotação do dólar que atravessaram seus dois governos. FHC enfrentou quatro difíceis crises externas, teve de mudar o regime cambial três vezes e, ao final, nem havia conseguido uma boa combinação juros-dólar, nem seus colaboradores economistas haviam alcançado consenso nesse tema.

Lula manteve as bases da política econômica, o que conduziu a outra combinação insatisfatória. No último ano de FHC, tivemos juros altos e dólar muito caro, conseqüência imediata da crise de confiança que se instalou por ocasião da vitória de Lula. Esse dólar caro - ou o real bem desvalorizado - certamente apoiou as exportações, que decolaram e trouxeram para o país navios de moeda americana. Foi então que o regime de câmbio flutuante, deixado por FHC e mantido por Lula, inverteu a relação entre as moedas: desvalorizou o dólar e valorizou o real.

Resultado: o país está hoje como estava no primeiro mandato de FHC, com juros altos e dólar baixo. E os economistas de algum modo ligados ao PSDB mantêm as mesmas divergências. Aliás, os economistas em geral mantêm suas divergências sobre esse mau equilíbrio.

Que proposta apresentará o candidato tucano, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin? Há pistas na entrevista que concedeu à revista "Época" desta semana. A principal delas está na ênfase que o governador coloca no ajuste das contas públicas - o ajuste fiscal. Resumindo, Alckmin afirma que o setor público no Brasil gasta demais, gasta mal (quase tudo em custeio, quase nada em investimentos) e sangra a sociedade, as pessoas e as empresas, com impostos exagerados.

Portanto, não se trata apenas de cortar gastos, mas de promover uma reforma geral, o que inclui desde mudanças na Previdência e no sistema tributário, até a modificação de métodos de gestão.

É interessante que essa proposta une os economistas tucanos. E é velha. No primeiro ano do governo FHC, a ala Pedro Malan era a que mais insistia na tese segundo a qual a questão fiscal era o nó a ser desatado. Representantes das outras alas (Luiz Carlos Mendonça de Barros, por exemplo) consideravam mais urgente outras providências, como mudanças imediatas na política cambial. Com o tempo - e dada a enorme dificuldade para resolver a questão juros/câmbio - houve uma convergência em torno da necessidade de reformar o gasto público (e, pois, a receita).

De todo modo, Alckmin embarcou nessa canoa. Disse à "Época", com todas as letras, que um ajuste fiscal poderoso leva à queda de juros e, pois, à revalorização do dólar (ou desvalorização do real, hoje certamente valendo mais do que merece). E que esse é o caminho principal para a retomada do crescimento vigoroso e duradouro.

Mas se essa tese unifica as tendências tucanas e, provavelmente, boa parte do PFL, não decorre daí que seja eleitoralmente atraente, muito menos facilmente aplicável. O governador paulista sabe disso e já toma cuidados de campanha. "Época" pergunta se ele apóia a desvinculação do salário-mínimo do piso da Previdência, idéia básica de qualquer ajuste fiscal sério. Alckmin escapa do sim ou não. Diz que a Previdência pública deve ser "básica", limitada, de modo que quem quiser aposentadorias melhores terá que complementar por sua própria conta. É por aí, quem é do ramo entende, mas o candidato trata de não colocar sua mão nessa cumbuca do mínimo, cujo aumento é bandeira de Lula.

Mais difícil do que falar disso na campanha será aplicar a política em caso de vitória. Desgraçadamente, porém, é o único caminho absolutamente necessário. Qualquer que seja a combinação juros/câmbio, o setor público continua atrapalhando o crescimento do Brasil pelos dois lados - da arrecadação, muito alta, complexa e custosa, e dos gastos, elevados porém ineficientes.

Se Alckmin avançar mesmo por essa linha, haverá então uma clara separação em relação a Lula. Este, ao contrário, deposita sua fé no aumento do gasto público e, mais, no controle do governo sobre a atividade econômica. Na campanha, vai alardear gastos, do salário-mínimo à instalação de universidade. Alckmin confia no encolhimento do setor público e na abertura de espaço à iniciativa privada, um choque de capitalismo.

Quanto a Lula, já se sabe como vende. Já Alckmin vai precisar de uma boa embalagem.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. E-mail: sardenbergcbn.com.br.