Título: NÃO PODEMOS SER COMPLACENTES
Autor: JOAQUIM LEVY
Fonte: O Globo, 23/03/2006, Opinião, p. 7

Nos três últimos anos, o Brasil consolidou sua posição fiscal de maneira notável. A relação dívida/PIB corrente caiu em cada um dos três anos, depois de ter crescido por quase uma década. A redução da dívida não se deu por artifícios ou planos que penalizassem a poupança - ao contrário, deu-se com uma política monetária cujo principal instrumento para alcançar a desejada desinflação foram os juros de curto prazo, que influenciam mais da metade da dívida pública federal.

Esse desempenho foi talvez o mais sólido da República, e resulta da ação contínua e firme do Ministro da Fazenda e de opções do presidente da República. Não poderia ser de outra maneira. Sem a inequívoca vontade do presidente da República, que em várias ocasiões fez opções difíceis e corajosas, não se teria avançado na arrumação da casa.

É nesse ambiente de progresso que se comemoram os 20 anos do Tesouro Nacional. O Tesouro é testemunha do papel crucial de instituições compromissadas com a sanidade das contas públicas e com os meios para defen-dê-la. O Tesouro Nacional nasceu no ambiente tumultuado da redemocratização, quando as demandas sociais reprimidas e os desequilíbrios econômicos latentes vieram à tona e foram inicialmente acomodados pela inflação, cada vez mais alta. Mas, desde o começo, ele lançou as fundações para o controle e a transparência nas contas públicas.

Nos anos 1990, o Tesouro foi proeminente na renegociação da dívida dos estados, na reorganização e no reconhecimento dos passivos acumulados por duas décadas e na preparação da Lei de Responsabilidade Fiscal, esta contando com servidores do Tesouro emprestados a outros órgãos, como o Planejamento, que foi liderado por um deles.

Em 2001, houve a transferência de uma carteira imobiliária de dezenas de bilhões de reais da Caixa Econômica Federal para a Emgea, uma empresa do Tesouro, criada para reestruturar, vender e liquidar esses créditos. Com isso, revitalizou-se a Caixa e começou-se a resolver a herança do BNH, mantendo a concorrência no setor bancário e afastando riscos sistêmicos.

Os recentes resultados do Tesouro devem ser vistos a essa luz. Os avanços na administração da dívida, o relacionamento respeitoso e construtivo com os entes da federação e a contribuição para o fortalecimento das contas públicas federais refletem o apoio do atual governo na continuação dessa ação indispensável.

Foi porque o risco país caiu de 2.200 pontos para 200 pontos, porque o superávit primário do governo geral é, hoje, maior do que o do setor público consolidado (governo geral + estatais) em 2002, porque a responsabilidade fiscal foi aprofundada de maneira serena, mas invariável, que podemos focar em outra agenda.

A agenda dos gastos é tão central e complexa no Brasil quanto na Espanha e tantos países desenvolvidos. Mas, levantado o nevoeiro da inflação e afastadas as nuvens pesadas das crises econômicas, descortina-se um país em que os gastos públicos são altos e não necessariamente direcionados aos mais pobres.

Essa observação já pautou diversas medidas do governo, como a reforma da previdência do setor público e a organização do Bolsa Família. Essa organização procurou evitar riscos de engessamento e tem sido acompanhada de um trabalho pertinaz de melhora de cadastro e priorização dos mais necessitados. Além disso, um trabalho silencioso, mas indispensável, está sendo feito na Previdência Social.

Mas, como disse o professor Amir Kahir, no começo dessa semana, não podemos ser complacentes: a carga tributária é alta, mas dá para fazer muito mais com o dinheiro que gastamos. A sua experiência na maior cidade da América do Sul dá respaldo a essa percepção. Pessoalmente, concordo com essa avaliação. E a amplio: a busca da qualidade tem que alcançar os principais itens de gasto, inclusive Saúde e a Educação, para trazer os resultados de crescimento que queremos, e consolidar a queda dos juros que já vislumbramos depois de tantos anos de esforço.

JOAQUIM LEVY é secretário do Tesouro.

A busca da qualidade tem que alcançar todo o gasto, inclusive Saúde e Educação