Título: Distribuição de dinheiro não acaba com miséria
Autor: Chico Otavio
Fonte: O Globo, 23/03/2006, O País, p. 17

Pesquisa do IBGE mostra que Bolsa Família já atinge oito milhões de lares ou 39 milhões de brasileiros carentes

O dinheiro empregado em programas públicos de transferência de renda no Brasil está chegando às mãos de quem precisa, mas fazer parte da lista de quase 39 milhões de brasileiros favorecidos por eles ainda não significou estar livre da miséria. A primeira pesquisa do IBGE sobre o assunto, divulgada ontem, mostrou que 38% dos jovens de 15 a 17 anos e 36% das pessoas acima dos 60 anos de famílias favorecidas pelos programas estavam trabalhando para reforçar a renda doméstica.

Colhidas pelo IBGE em setembro de 2004, as informações fazem parte do suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) sobre acesso a transferência de renda de programas sociais, que vão do Bolsa Família, implantado no início daquele ano, ao Benefício Assistencial de Prestação Continuada. Os resultados revelam que, na época, a taxa de analfabetismo de pessoas acima de 10 anos, nas famílias beneficiadas, era de 18,2%, enquanto o percentual para a mesma faixa, nas famílias não favorecidas, baixava para 8,6%.

"Não substitui a necessidade"

O primeiro retrato sobre a abrangência da transferência de renda no Brasil mostra que 8 milhões de domicílios brasileiros (15,6% do total) tinham pelo menos um morador recebendo dinheiro de programa social do governo. Da mesma forma que indicou acerto no alvo dos programas (metade das famílias brasileiras que ganham até 1/4 de salário mínimo, por exemplo, é favorecida), o estudo mostrou que as famílias, mesmo recebendo o dinheiro, ainda precisam da força de trabalho de seus filhos e dos idosos.

- Isso indica que nossa clientela não é acomodada com o benefício. A pobreza leva ao trabalho em condições precárias. Começa cedo e deixa de trabalhar tarde. O benefício é insuficiente, mas o objetivo não é substituir salário, mas um reforço orçamentário para cuidar da saúde, educação e nutrição da família. Não substitui a necessidade - disse o secretário de Avaliação de Gestão da Informação do Ministério do Desenvolvimento Social, Rômulo Sousa.

O Nordeste, segundo o estudo, foi o campeão da distribuição de recursos, respondendo por 32% do total nacional de domicílios atendidos. O Sudeste, mais rico, concentrou a menor quantidade, com 7,9% do total.

- Os números evidenciam a consolidação de uma nova tendência em termos de políticas sociais no Brasil, iniciada na década passada: o reconhecimento de que é necessário atingir as camadas nunca contempladas pelo estado. De alguma maneira, o recurso está chegando de forma contundente. Ainda falta muito, mas se tem avançado - concluiu o economista André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).

As condições socioeconômicas das famílias favorecidas, em praticamente todos os indicadores, era inferior às de não beneficiadas. O rendimento mediano mensal dos domicílios (quando metade do universo pesquisado ganha até aquela determinada quantia) que tinham algum morador recebendo dinheiro de programa social do governo (R$458,00) era quase metade dos que não tinham (R$880,00).

Em 2007, nova sondagem

Já o percentual de casas com rede de esgoto adequada foi de 42,4%, no grupo dos beneficiados, e de 73,9% no dos que não tiveram ajuda monetária de programa social do governo. Na coleta de lixo, a diferença também é grande: 66% para os que receberam benefício contra 88,3% dos que não tiveram. Pelos resultados, ainda não é possível mostrar os efeitos destes investimentos sociais. O presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, explicou que o instituto irá a campo novamente, este ano e em 2007, para outra sondagem.

- Do ponto de vista do bem-estar das famílias, é preciso saber que diferença faz. É necessário fazer análises mais cuidadosas - disse Urani.

A socióloga Dulce Pandolfi, diretora do Ibase, não vê na situação das famílias um sinal de que os programas sociais não conseguiram alterar o seu status. Para ela, o dinheiro estar chegando a esses locais indica desconcentração de renda:

- É apenas o início.

A comparação entre famílias que receberam e não receberam mostrou que até a estrutura etária é diferente. A família que ganha é mais jovem (crianças e adolescentes representavam 48% e os idosos de 60 anos ou mais, 5%, contra 28,7% e 11,1%, respectivamente, nas famílias não beneficiadas pelos programas).

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