Título: RASTROS DA CEF
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 25/03/2006, O País, p. 4

Quanto mais avançam as investigações sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, testemunha de que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, freqüentava a casa do Lago Sul de Brasília onde seus assessores, antigos e atuais, faziam lobby, mais fica evidente a participação ativa do alto escalão da Caixa Econômica Federal nas ações ilegais.

Foi a Caixa Econômica Federal que enviou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) uma comunicação de ¿operação suspeita¿, classificando a movimentação da poupança do caseiro Francenildo Costa como ¿incompatível¿ com sua capacidade econômica.

Essa comunicação foi postada no sistema do Banco Central (Sisbacen) às 19h10m da sexta-feira dia 17, exatos 25 minutos e dois segundos depois que a revista ¿Época¿ colocou no ar em seu site a notícia sobre o extrato da conta do caseiro, às 18h45m02. Antes disso, esse extrato já circulava entre assessores do ministro Palocci, e os boatos já corriam pelo Congresso. Naquela manhã, segundo relato da líder petista senadora Ideli Salvatti, o presidente Lula, ao ser comunicado sobre os boatos de depósitos na conta do caseiro durante uma viagem a Santa Catarina, ¿fez cara de quem já sabia¿.

O caseiro Francenildo Costa vinha recebendo depósitos regulares de dinheiro desde o dia 6 de janeiro, o primeiro deles no valor de R$10 mil, e somente no dia 17 de março à noite, após seu depoimento na CPI dos Bingos, onde testemunhou que viu o ministro Palocci na casa do Lago Sul onde a turma de Ribeirão Preto fazia negociatas, a Caixa Econômica Federal desconfiou dos depósitos em sua poupança.

Sintomaticamente, minutos depois que o produto da quebra ilegal de seu sigilo bancário aparecia no site da revista ¿Época¿. Também o sumiço do computador em que a quebra ilegal do sigilo do caseiro foi feita, põe mais um ponto suspeito no caminho da Caixa. Tudo indica que a operação foi feita num laptop, o que sugere a participação de alto escalão hierárquico.

Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do Coaf, é funcionário de carreira do BNDES, já estava no Ministério da Fazenda antes de assumir a função. Mesmo sem ser perguntado, ele ressalta que toda a equipe do Coaf é de concursados, como para afastar qualquer dúvida sobre o ¿aparelhamento¿ partidário, e garante que o órgão agiu em estrito cumprimento da lei.

¿ Não sei se quiseram usar o Coaf para outros fins, não é de minha atribuição ¿ comenta.

Ele ressalta que o Coaf não tem acesso à movimentação financeira de ninguém, não pode decidir ver a conta deste ou daquele indivíduo, e só age se provocado, com base em comunicações que são feitas, especialmente pelos bancos, de duas naturezas, segundo os padrões internacionais: operações suspeitas, com valores acima de R$10 mil, ¿ ¿mas recebemos várias de valor menor, a critério dos bancos¿ ¿ e saques em espécie, que são comunicações automáticas, acima de R$100 mil.

O Coaf recolhe as comunicações dos bancos com 24 horas de atraso. No caso da denúncia da Caixa Econômica Federal sobre a movimentação do caseiro Francenildo, Rodrigues diz que o órgão a recebeu na manhã do dia 20, e enviou uma comunicação ao Ministério Público e à Polícia Federal no mesmo dia.

Antonio Gustavo Rodrigues faz questão de esclarecer que ¿o relatório do Coaf é muito seco, usa a expressão `lavagem de dinheiro ou qualquer outro indício¿, porque esse é o texto da lei, não há a intenção de acusar o caseiro de nenhum crime, inclusive por que não emitimos juízo de valor em nossos relatórios¿.

Ele também tem explicações legais para o comportamento do Coaf a respeito dos envolvidos no mensalão. Na coluna de ontem, eu me referi a saques no caixa do banco BMG que na verdade não ocorreram. O BMG foi responsável por empréstimos ao lobista Marcos Valério, alguns avalizados pelos dirigentes petistas, que deram cobertura ao valerioduto, e que a CPI dos Correios considera que não foram nem mesmo realizados. O BMG afirma, no entanto, que todos os empréstimos obedeceram aos padrões legais.

Quanto aos saques dos mensaleiros na boca do caixa do Banco Rural em Brasília, o presidente do Coaf, Antonio Gustavo Rodrigues, esclarece que o sistema de comunicação de saques em espécie começou a funcionar em julho de 2003. No começo daquele ano, o Ministério Público de São Paulo pediu informações sobre uma empresa de Marcos Valério, mas não havia nenhum registro na época.

¿ Em outubro desse mesmo ano, o Coaf enviou um ofício ao Ministério Público em São Paulo informando que a empresa SMP&B estava realizando substanciais saques em espécie. Nós não tínhamos nenhuma ligação desse fato com qualquer outra coisa, até o dia em que saíram na imprensa declarações do ex-deputado Roberto Jefferson que circunstanciavam esses saques. Em 24 horas nós enviamos um relatório completo sobre as atividades da SMP&B.

Pela explicação do presidente do Coaf, mesmo que ele não tenha feito essa ilação na conversa comigo, fica claro que o órgão foi usado pela Caixa Econômica Federal para dar um ar de legalidade à quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, o que complica mais ainda a situação do presidente da Caixa, Jorge Mattoso.

Alem do mais, os dois órgãos envolvidos são subordinados ao Ministério da Fazenda, o que caracteriza desde o início do caso o uso da máquina do Estado para coação de uma testemunha. Nada disso pode ser debitado à ¿exacerbação¿ da luta política, como quis dar a entender ontem o ministro da Fazenda em seu discurso na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos em Sã Paulo.