Título: FOME ALIMENTA A PROSTITUIÇÃO INFANTIL
Autor: Ismael Machado
Fonte: O Globo, 25/03/2006, O País, p. 16

Caminhoneiros se unem a entidades que combatem exploração sexual na Bahia

SALVADOR. A exploração sexual infantil é uma chaga aberta que não cicatriza enquanto houver fome e miséria no país, diz o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros da Bahia, Fernando Lucena, que, embora esteja fora das estradas desde que assumiu a entidade, conheceu de perto ¿esse Brasil que o Brasil das capitais não conhece¿.

¿ Talvez eu não tenha uma explicação para os motivos que levam à exploração sexual nas metrópoles, mas nas cidades pequenas localizadas à beira das rodovias com certeza é a fome e a necessidade absoluta de tudo ¿ diz ele.

Lucena lembra de uma mãe em Picos, interior do Piauí, que lhe ofereceu a filha de 8 anos, em um posto de combustível, em troca de dinheiro que lhe assegurasse a feira da semana.

¿ ¿Pode pegar sem susto, minhas filhas são saudáveis, são da boa, o senhor não vai se arrepender¿, me disse ela, com essas palavras, oferecendo a garota. Ainda me arrepio ao lembrar aquela cena desconcertante ¿ diz o sindicalista, hoje conselheiro do Centro de Defesa da Criança e Adolescente (Cedeca), ONG que atende menores em situação de risco na Bahia.

Lucena conta que as menores que se expõem nos postos não fazem exigências. Em geral são analfabetas e desinformadas. Algumas se tornaram mães precocemente, depois de abusadas pelo padrasto ou por vizinhos.

¿ Elas vendem o corpo em troca de uma lata de sardinha, até sobra de comida. É brutal, deprimente. Elas batem no vidro do caminhão e oferecem esse ou aquele ¿serviço¿, usando uma linguagem bem chula. Muitos companheiros conscientes não aceitam, outros, nem tanto ¿ lamenta.

¿O turista é bem-vindo para apreciar as belezas da terra¿

O coordenador do Cedeca, Valdemar Oliveira, critica a impunidade e a dificuldade de se processar e prender quem explora sexualmente crianças. Segundo ele, em 2003 apenas duas pessoas foram processadas na Bahia por esse crime e, em 2004, apenas uma. Oliveira defende políticas públicas voltadas à capacitação das vítimas para o mercado de trabalho, aliadas à ação repressiva eficiente.

Segundo ele, a exploração sexual infantil em Salvador já não se dá como há cerca de dez anos, quando se verificava de forma aberta, acintosa, sobretudo nos pontos turísticos e na orla marítima, mas ainda é uma situação preocupante.

¿ Quando lançamos a primeira campanha contra a exploração enfrentamos forte oposição do segmento turístico, que nos acusou de querer afastar os turistas da Bahia. Depois, eles entenderam que o turista é muito bem-vindo, mas para apreciar as belezas da terra e não as nossas crianças e adolescentes, e incorporaram o espírito das campanhas ¿ explica.

Atualmente a Associação Baiana da Indústria Hoteleira (Abih) é um dos parceiros nas ações de combate a esse tipo de crime, juntamente com o governo do estado, algumas ONGs, Ministério Público, Polícia Rodoviária Federal e tantas outras, num total de 50 entidades, que formam o Comitê Estadual de enfrentamento à violência sexual no estado.

¿ Sobretudo no verão e durante o carnaval, essas entidades atuam de forma bastante eficiente ¿ diz, confirmando que as vítimas são meninas de famílias muito pobres que, com a atividade sexual, ajudam a manter as famílias com a conivência dos pais.

¿ No interior muitas vezes quem faz esse tipo de exploração é quem detém o poder político e econômico na região, que paga pelo silêncio dos pais de meninas de 14, 15 anos ¿ ressalta Valdemar Oliveira.