Título: USUÁRIOS, A ÚLTIMA PREOCUPAÇÃO DAS AGÊNCIAS
Autor: Eliane Olivera
Fonte: O Globo, 26/03/2006, Economia, p. 35

Levantamento de professor da UnB mostra que prioridade de órgãos reguladores é defender interesse das empresas

BRASÍLIA. Criadas no governo anterior para preencher o vácuo decorrente da privatização de serviços como telefonia e energia elétrica e monitorar áreas que deixaram de ter preços controlados pelo Ministério da Fazenda ¿ planos de saúde, combustíveis e medicamentos ¿ as agências reguladoras defendem mais os interesses das empresas que o dos usuários. É o que diz Vicente Faleiros, pesquisador da pós-graduação ¿Política Social¿ da Universidade de Brasília (UnB), que entrevistou 19 ouvidores dos órgãos e chegou ao diagnóstico:

¿ Quem utiliza os serviços de empresas privadas reguladas deixa de ser sujeito com garantias e torna-se apenas um consumidor de serviço.

Marcos Pó, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), empresta exemplos à deficiência apurada por Faleiros. Não é incomum serem adotados regulamentos que acabam prejudicando o consumidor, pois privilegiam as necessidades financeiras das empresas. Ele cita como exemplos a mudança na forma de reajuste por faixa etária nos planos de saúde, em que o aumento da mensalidade do idoso pode corresponder a cinco vezes o preço pago pela menor faixa (até 18 anos) e a conversão da cobrança de pulso para minuto na telefonia fixa (que permitiria acompanhamento detalhado das contas telefônicas) que, devido a pressões, foi adiada.

`A central da Anatel tinha de ser exemplar¿, diz ouvidor

Um sintoma de que os usuários estão se sentindo desassistidos é a grande corrida aos Procons:

¿ As agências dão prioridade a credibilidade regulatória, atração de investimentos e preservação dos contratos. O consumidor fica de lado ¿ diz Faleiros.

O ouvidor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Aristóteles dos Santos, admite que, quando ela foi criada, a preocupação do novo marco regulatório era garantir entrada de capital no país e lucro das empresas. Concorda que o cidadão foi desconsiderado e reconhece que o atendimento da Anatel ¿ que recebeu 580.111 reclamações em 2005 ¿ poderia ser mais rápido:

¿ É obrigatório ter nível de qualidade no atendimento ao usuário. A central da Anatel tinha que ser exemplar.

Para Faleiros, as ouvidorias têm pouco poder para defender o consumidor ¿ por não estarem integradas ao núcleo de decisão dos órgãos e não terem autonomia. O cidadão fica sem a garantia. Uma saída seria a aprovação do projeto de lei que cria o marco regulatório das agências, a ser votado este ano.

¿ As ouvidorias devem ser integradas à estrutura das agências ¿ diz Faleiros, que defende a participação do consumidor nos conselhos das agências.