Título: Brasil bate às portas da auto-suficiência
Autor: Ramona Ordoñez e Mariza Louven
Fonte: O Globo, 26/03/2006, Economia, p. 37

Produção nacional chegará a 1,8 milhão de barris diários em abril, com início de operação da plataforma P-50

Cinqüenta e três anos após a criação da Petrobras e no momento em que o mundo teme uma nova crise do petróleo, com as cotações encostando em US$70 o barril, o Brasil está prestes a alcançar a tão sonhada auto-suficiência na produção de petróleo. Na realidade, faltam pouco mais de 20 dias para que a produção nacional chegue a 1,8 milhão de barris diários, mesmo volume do total de derivados consumido no país. A contagem regressiva para alcançar esse marco está chegando ao fim e, com ela, termina a seqüência histórica de déficits comerciais provocados pelas importações de petróleo e derivados.

Pela primeira vez, este ano, o país terá um superávit de US$3 bilhões no balanço entre os gastos com importações e as exportações de petróleo e derivados. Apesar disso, está mantida a política de relacionar os preços no Brasil aos do mercado internacional. Resultado: não se deve esperar que a gasolina vá baixar de repente.

¿ Auto-suficiência não quer dizer que os preços vão cair ¿ avisa o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.

A plataforma P-50, que será a grande responsável pelo feito, já está no campo de Albacora Leste, a 120 quilômetros da costa, na Bacia de Campos. No momento, os técnicos da Petrobras trabalham 24 horas por dia para interligar 16 poços produtores à P-50. A expectativa é de que, no início da segunda quinzena de abril, a plataforma entre em produção.

A P-50 é a maior plataforma do país, com capacidade para produzir 180 mil barris diários de petróleo e seis milhões de metros cúbicos por dia de gás natural. Logo que os primeiros poços entrem em operação, a produção saltará dos atuais 1,75 milhão para 1,9 milhão de barris diários. A plataforma deverá atingir o pico de produção em seis meses.

Gabrielli: situação favorável para o país e a empresa

O diretor de Exploração e Produção da Petrobras, Guilherme Estrella, lembra que, no ano passado, por algumas semanas nos meses de maio, junho e julho, o país chegou a atingir a auto-suficiência. Só que não foi de maneira sustentável. Com a parada programada de outras plataformas, a auto-suficiência não se manteve. Agora, com a P-50, é diferente.

¿ Com a auto-suficiência, tanto o Brasil como a Petrobras ficam numa posição muito favorável em comparação com outros países e empresas ¿ destacou Gabrielli, acrescentando que um dos principais temas em discussão no mundo é a garantia de suprimento de fontes de energia e os efeitos da geração e uso desses combustíveis no clima do planeta.

¿ Com a auto-suficiência, estando o país blindado contra crises de oferta e altas abruptas dos preços internacionais, o petróleo passa a ser um item que gera divisas e ajuda a ter balança comercial e de pagamentos positivas ¿ diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).

Apesar disso, pelas características de suas refinarias, o país continuará exportando parte do petróleo (pesado) que produz e importando petróleo leve para fabricar os derivados de que precisa. Nos próximos anos, essa situação deve mudar.

Em 2005, se o país ainda fosse altamente dependente do produto importado, o saldo da balança comercial no ano, de US$44,8 bilhões, teria sido corroído e o do balanço de pagamentos, de US$4,3 bilhões, transformado em rombo, diz o professor Edmar Luiz Fagundes Almeida, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Almeida simulou uma dependência externa de 86% ¿ pico registrado em 1979, a um preço de US$60 o barril. Nesse caso, o gasto do país com petróleo e derivados teria sido de US$36 bilhões em 2005. O economista da UFRJ lembra, ainda, que o petróleo está concentrado principalmente no Oriente Médio e estar fora da área de conflito aumenta a importância do Brasil na geopolítica mundial.

Claudio Considera, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), concorda que é melhor ter superávits no balanço de pagamentos do que os déficits causados na década de 70 pelas compras de petróleo importado. Mas diz que a auto-suficiência talvez só esteja sendo alcançada porque a economia está crescendo pouco:

¿ Este governo está festejando a auto-suficiência, mas foi o que teve o pior desempenho em termos de aumento da produção do petróleo.

Especialista critica mau uso da política de preços

O historiador do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, Carlos Eduardo Sarmento, também acha que a auto-suficiência só foi possível porque, depois da criação da Petrobras, no governo de Getúlio Vargas, o presidente Ernesto Geisel ¿ que tinha sido presidente da estatal ¿ tomou a decisão de investir na prospecção em águas profundas.

Outro marco histórico, diz Sarmento, foi a decisão estratégica, no governo Fernando Henrique Cardoso, de mudar o perfil administrativo da Petrobras, transformada numa empresa altamente lucrativa. Já o principal mérito do governo Lula, segundo ele, é ter mantido o modelo eficaz da Petrobras, apesar do uso da empresa como instrumento de política econômica e industrial, avalia.

¿ O governo manteve os preços cobrados pelo botijão de gás e pela gasolina, apesar dos aumentos na cotação do petróleo no mercado internacional ¿ acrescentou ¿ Além disso, a Petrobras aumentou o índice de nacionalização dos seus equipamentos e deu prioridade ao aumento da produção.

Desta forma, a oferta maior de petróleo pode ser um importante instrumento de controle das variáveis macroeconômicas, como a inflação, alerta o especialista.

¿ A política de preços subsidiados pode ser de interesse do governo, mas não dos acionistas da empresa ¿ observa o professor de história econômica do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), Fabiano Pegurier.

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