Título: A falência de um Estado marcado pela generosidade
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 26/03/2006, O Mundo, p. 41

BERLIM. ¿O sistema social alemão é excelente para tempo bom, mas agora está chovendo¿, diz o jornalista Wolfgang Münchau, autor do livro ¿O fim da economia social de mercado¿. Com o aumento do número de desempregados para mais de cinco milhões ¿ sem qualquer perspectiva de melhora ¿ e um aumento ainda maior do número de pobres, que não entram nas estatísticas de desemprego mas reivindicam da mesma forma a ajuda do Estado, o sistema entrou em falência.

Diferentemente de outros países europeus como Holanda e Suíça, a Alemanha hesitou nos cortes sociais. Apesar dos protestos do ano passado em reação à redução da ajuda aos desempregados, o Estado alemão é ainda um dos mais generosos do mundo para com os ¿socialmente fracos¿.

Cidades se endividam

O resultado é que cidades com alto índice de pobreza precisam se endividar para cobrir os custos sociais. Em Berlim, com 3,5 milhões de habitantes, 300 mil pessoas vivem às custas da cidade, que paga moradia, assistência médica básica e ainda dá uma ajuda mensal em dinheiro para alimentação e extras.

A grande discussão no momento é como acabar com a generosidade do Estado sem fazer surgir nas cidades um ¿clima de terceiro mundo¿, como disse um funcionário da prefeitura de Berlim.

Há anos os governos vêm tentando sem sucesso sanear o sistema social, que está em crise, com redução da ajuda e aumento de impostos. O atual governo, da chanceler federal Angela Merkel, deverá aumentar no início do próximo ano os impostos sobre mercadoria (ICM) para cobrir buracos do sistema de aposentadoria, que há anos deixou de ser financiável.

Em discussão estão outras medidas para aliviar os déficits, como a criação de uma ¿taxa de solidariedade¿ a ser paga juntamente com o imposto de renda.

A maior polêmica dos últimos dias foi causada pela proposta de políticos e economistas de redução da aposentadoria de pessoas que não têm filhos em 50%, uma forma de punição que iria até contra os princípios constitucionais, como comentou o semanário ¿Die Zeit¿.

Para Münchau, o sistema não é errado, mas não é mais adequado à era atual ¿ com desemprego em massa, aumento da pobreza e redução da taxa de natalidade, o que tira o equilíbrio de um sistema chamado de ¿solidário¿.

¿ Sem crianças o nosso país não tem futuro ¿ disse o presidente da Alemanha, Horst Koehler, recentemente, fortalecendo um debate que põe agora não o desemprego, mas a implosão demográfica como o culpado pela falência do sistema.

Segundo uma pesquisa do Instituto de Desenvolvimento Demográfico, em apenas 12 gerações os alemães estarão ameaçados de desaparecer por causa da redução da taxa da natalidade. No ano passado, o Departamento Federal de Estatística registrou o nascimento de 676 mil bebês, o menor número desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Frank Schirrmacher, editor-chefe do jornal ¿Frankfurter Allgemeine Zeitung¿, acaba de concluir no seu livro ¿Minimum¿ que ¿o futuro (da Alemanha) é o frio social¿. Por causa da implosão demográfica, há menos pessoas jovens para financiar a aposentadoria das pessoas mais velhas, que têm hoje uma expectativa de vida maior.