Título: No Reino Unido, previdência social preocupa
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 26/03/2006, O Mundo, p. 42

Britânicos têm a maior jornada de trabalho da União Européia e vivem sob ameaça de implosão do sistema

LONDRES. A última grande rebelião pública britânica ocorreu em 1990, quando a então primeira-ministra Margaret Thatcher criou um imposto que resultou num quebra-quebra épico em Londres e que deu margem ao golpe branco do Partido Conservador, que derrubou a Dama-de- Ferro. Hoje, porém, os britânicos ainda continuam com alguns motivos para voltar a protestar de maneira mais veemente. Na França, reclama-se muito da nova lei do emprego que em muito reforça o poder dos empregadores, mas os vizinhos de Canal da Mancha não apenas enfrentam a maior jornada de trabalho da União Européia (UE), como ainda se vêem às voltas com uma bomba-relógio na Previdência Social.

De acordo com estatísticas do próprio governo, os britânicos têm a semana de trabalho mais longa dos países da União Européia, com uma média de 42,5 horas. Bem à frente dos franceses, que trabalham 35 horas. Sindicatos, porém, afirmam que os números reais são bem maiores porque o Reino Unido se recusa a seguir a diretriz da UE de limitar em 48 horas a jornada de trabalho semanal ¿ e uma recente enquete mostrou que quase um terço dos trabalhadores britânicos trabalha mais do que o limite europeu, quase três vezes mais do que os números registrados no final da década passada.

Número de idosos ameaça futuro da Previdência

Longas horas, porém, parecem ser um problema menor se comparado aos problemas enfrentados pelo governo de Tony Blair com a Previdência. Além de quase metade dos britânicos em idade economicamente ativa não estar poupando o suficiente para garantir uma reserva financeira além da pensão estatal, os cofres públicos se vêem ameaçados pelo fato de que a proporção de idosos no país será 78% maior nas próximas quatro décadas, o que já fez especialistas do governo anunciarem que a idade mínima de aposentadoria poderá ser elevada de 65 para 70 anos.

Irlanda cresceu, mas vive dilemas

Os britânicos também não contam com o dispositivo tão defendido pelos franceses, aquele que garante uma proteção legal para o primeiro emprego ¿ tampouco há alguma versão do brasileiro FGTS, ainda que o seguro-desemprego seja tentador o suficiente para que alguns cidadãos prefiram se fiar no assistencialismo do Estado. Salário-mínimo é uma conquista recente, mais especificamente de 1999, quando Blair enfrentou um grande lobby contrário à criação do sistema que estabelecia um patamar de 3,60 libras esterlinas (cerca de R$9,50) por hora de trabalho ¿ o valor atualmente é de 5,05 libras e será reajustado para 5,35 em outubro. Por sinal, trabalhadores jovens ganham menos: 4,25 libras/hora para a faixa entre 18 e 21 anos e 3,10 para a de 16 e 17 anos.

No Reino Unido, entretanto, o índice de desemprego é de 4,7%, menos da metade dos 9,7% registrados pelos franceses e bem menos que os 12,1% da Alemanha. A campeã da UE nesse quesito, porém, é a Irlanda (4,3%). E o Tigre Celta também vive seus dilemas trabalhistas. A revolução econômica que transformou uma das nações mais pobres da Europa no terceiro mais rico integrante da União Européia em termos de renda per capita também teve seus sacrifícios: hoje, 16% da força de trabalho do país trabalha em regime de meio-expediente, sem a mesma proteção da legislação.