Título: Olmert e Netanyahu são prisioneiros de um velho conceito¿
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 26/03/2006, O Mundo, p. 43

TEL AVIV. Um dos mais respeitados intelectuais israelenses, o escritor Amos Óz aponta a crise ideológica que se abateu sobre a política de Israel como motivo para a morna campanha deste ano. Segundo ele, o público está cansado da falta de renovação e é chegada a hora de o governo parar de usar desculpas esfarrapadas para retomar as conversas com os palestinos. ¿Existe um parceiro para a paz do outro lado¿, disse ele ao GLOBO.

Analistas esperavam uma campanha maciça devido à doença de Sharon e à ascensão do Hamas e o que se viu foi uma campanha insossa. O que houve?

AMOS ÓZ: Não sou analista, mas o fim da carreira de Sharon e todos os acontecimentos políticos na região não foram pretextos bons o suficiente para ocultar o fato de que houve uma crise ideológica na política israelense. Os três grandes partidos se transformaram em blocos iguais e sem identidade própria. A direita começou a abandonar o sonho da Grande Israel bíblica, o Kadima busca seu papel de centro e os trabalhistas têm boas intenções e alguns moderados, mas ainda mantêm representantes cujos projetos diplomáticos são parecidos com os de Netanyahu e Olmert. A surpresa da campanha é que é tão fraca, nem violência ou agressões entre os candidatos houve. É natural que parte do público esteja desinteressado. Entre os grandes não há alternativas novas ao atual modelo de governo.

O senhor vê alguma possibilidade da retomada das negociações de paz após o resultado das eleições?

ÓZ: Não falo em possibilidades, mas em necessidades. É preciso dialogar com os palestinos, mesmo com o Hamas no poder. Israel precisa aceitar o governo palestino e negociar, mesmo que a administração do Hamas não reconheça o direito de existência de Israel. Políticos como Olmert e Netanyahu são prisioneiros de um velho conceito de mais de 30 anos de que não há com quem conversar, ignorando o fato de que há o presidente Mahmoud Abbas, do Fatah, que pode ser um excelente parceiro para a paz. O Hamas não é bom para ninguém e por isso há caminhos alternativos, como buscar o apoio de outros países árabes, até mesmo da Liga Árabe, para alcançar um entendimento definitivo.

O senhor é um dos mais respeitados ativistas de paz em Israel e este ano engajou-se definitivamente na campanha aparecendo inclusive no horário gratuito do partido Meretz. A identificação aberta com uma legenda não o assusta?

ÓZ: De maneira nenhuma. Sempre busco a moderação. Olmert diz que Israel vai estabelecer suas fronteiras sem qualquer interferência externa. Netanyahu diz que a ocupação e a opressão devem continuar sem qualquer interferência externa. O Meretz traz uma nova alternativa, que é apoiar as figuras moderadas no cenário palestino, hoje concentradas no escritório de Abbas, conversar e buscar acordos viáveis. Queremos mostrar que há com quem dialogar e que este diálogo é possível.

Qual será o maior desafio do novo governo israelense?

ÓZ: Montar uma coalizão estável. Em Israel, vencer é sempre a parte menos expressiva das eleições, pois nunca houve legenda capaz de administrar sozinha. As negociações para a formação de um governo são longas e desgastantes. Embora as pesquisas mostrem o Kadima na frente, não acredito em números e estou engajado nestas eleições até o fim para lutar por uma administração limpa e ideológica capaz de trazer paz a Israel. (R.M)