Título: CAMPANHA MORNA NUM PAÍS CANSADO DE CRISES
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 26/03/2006, O Mundo, p. 43

Desilusão com ausência de Sharon e pragmatismo marcam reta final para as eleições gerais israelenses

TEL AVIV. Contrariando todas as expectativas, a dois dias das eleições gerais que vão apontar o substituto do premier Ariel Sharon, internado entre a vida e a morte há três meses, Israel teve uma das campanhas eleitorais mais discretas e tranqüilas dos últimos anos. Após uma série de crises políticas geradas pela retirada unilateral da Faixa de Gaza, em agosto passado, a doença do premier e a ascensão do Hamas ao poder na Autoridade Nacional Palestina (ANP), os israelenses dão sinais de estarem cansados da instabilidade que levou o país à sexta eleição nos últimos 14 anos.

As estimativas mostram que o índice de comparecimento às urnas deve ficar em torno de 65%, um dos mais baixos da História do país. Nas ruas, a campanha se resumiu a outdoors eletrônicos e discretos cartazes espalhados pelas paredes, apagando da memória do eleitor as disputas entre centenas de ativistas distribuindo panfletos nos sinais de trânsito. Não houve grandes comícios e os três principais candidatos, Ehud Olmert, do recém-criado Kadima, Benjamin Netanyahu, do linha-dura Likud, e Amir Peretz, do Partido Trabalhista negaram-se até a realizar o tradicional debate na TV às vésperas da ida às urnas.

Partido criado por Sharon lidera pesquisas

A apatia que tomou conta dos israelenses reflete a instabilidade que há 16 anos, desde a queda do governo do então premier Itzhak Shamir, não permite a qualquer governo montar uma coalizão e terminar os quatro anos de mandato previstos pela lei. Para muitos, a campanha morna é ainda fruto da ausência do principal personagem destas eleições, o premier Ariel Sharon. A falta da liderança do veterano político pode deixar em casa muitos eleitores, desiludidos com o vácuo deixado por ele. Mas mesmo ausente, Sharon ainda é considerado peça decisiva para o futuro da administração israelense. Números mostram o partido Kadima, formado pelo premier, líder das pesquisas, conquistando cerca de 36 das 120 cadeiras do Parlamento, seguido pelos Trabalhistas com 21 e pelo enfraquecido Likud, com apenas 14.

Plano de Agrupamento é alvo de polêmica

Para especialistas, os méritos do previsto triunfo do Kadima, sob o comando do premier interino Ehud Olmert, são todos de Sharon. Após desafiar o partido de direita Likud, admitir que é preciso sair dos territórios palestinos e realizar o plano de retirada unilateral da Faixa de Gaza, o legado do premier afastado é a revitalização do centro do tabuleiro político, que atraiu simpatizantes desiludidos com o que consideram o radicalismo da direita e a ingenuidade da esquerda. Depois de anos de guerras, atentados e intifadas, o israelense médio quer partir dos planos para a ação, desejando apenas uma economia estável e soluções práticas para a disputa com os palestinos, deixando de lado velhas ideologias.

¿A vitória prevista do Kadima é a vitória da vontade da maioria dos israelenses de se livrar dos palestinos sem falsas ilusões de paz ou planos utópicos para a construção de um novo Oriente Médio. A alma dos israelenses está em conflito com os palestinos e por isso o público quer simplesmente desconectar-se, como feito em Gaza. Já não se acredita em soluções militares capazes de eliminar o terror e estão todos fartos de promessas vazias¿, sintetiza a analista política Sima Kadmon na sua coluna no jornal ¿Yedioth Ahronoth¿.

Enquanto as três grandes legendas tentam buscar alternativas de governo que atendam ao pragmatismo desejado pelo eleitor, a grande polêmica da insossa campanha ficou por conta do anúncio do plano de agrupamento anunciado pelo primeiro-ministro em exercício, Ehud Olmert. De acordo com o plano, o próximo governo pretende estabelecer as fronteiras definitivas de Israel até 2010 através do desmantelamento de todas as colônias judaicas ilegais na Cisjordânia e incorporando os três grandes blocos de assentamentos de Gush Etzion e Maaleh Adumim, em Jerusalém, e Ariel ao território israelense atual. A proposta seguiria os mesmos moldes da retirada da Faixa de Gaza, mas por motivos estratégicos ganhou o nome oficial de Plano de Agrupamento, tentando desviar a atenção de radicais do abandono de dezenas de colônias para focar-se na integração dos três blocos a Israel.

O anúncio despertou a ira da direita, ainda traumatizada com a retirada de Gaza, e ateou fogo aos discursos pré-eleições. Para o Likud, um plano como esse é uma ameaça à sobrevivência de Israel e um prêmio à administração do grupo radical islâmico Hamas na ANP. Até entre os trabalhistas a notícia causou desconforto. O partido de Amir Peretz garante apoiar uma manobra como esta, mas somente após esgotadas todas as possibilidades de uma solução discutida conjuntamente com os palestinos, e muitos argumentam ainda que, antes de adoecer, Ariel Sharon teria garantido que não haveria outras retiradas como a de Gaza. O futuro do plano é incerto e depende ainda do resultado das urnas e da formação do novo governo de coalizão que conduzirá Israel pelos próximos anos. Até lá, os israelenses tentam decifrar o enigma do que realmente faria o estrategista Sharon caso não estivesse num leito de hospital.