Título: INCAPAZES
Autor: PATRÍCIA SABOYA GOMES
Fonte: O Globo, 27/03/2006, Opinião, p. 7

No domingo (12/3), nós, brasileiros, tomamos mais um brutal choque de realidade por meio de duas importantes reportagens. Uma delas, publicada pelo GLOBO, traz informações contundentes sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil e mostra que, passados três anos da CPMI do Congresso Nacional que investigou o tema, as redes criminosas identificadas pelo nosso trabalho continuam atuando a pleno vapor, de norte a sul do país. A outra, veiculada pelo ¿Fantástico¿, da Rede Globo, é o corajoso documentário sobre o envolvimento de crianças e adolescentes no tráfico de drogas, ¿Falcão ¿ Meninos do tráfico¿, produzido pelo Rapper MV Bill e por Celso Athayde.

Ambas retratam o Brasil real, o Brasil que, muitos de nós, que vivemos entre os Salões Azul e Verde do Congresso Nacional, as CPIs e as acirradas disputas políticas, não conseguimos ver, não conseguimos sentir, não conseguimos enfrentar. Não podemos mais perder um minuto sequer: sem uma ação contundente de resgate da nossa infância e da nossa adolescência vamos assistir à morte de milhares de meninos e meninas.

A luta contra problemas complexos como o tráfico de drogas e a exploração sexual não é uma tarefa simples. Mas é viável, sim, reverter esse ciclo vicioso que contaminou a vida de milhões de famílias brasileiras. O problema é que nós, sociedade brasileira; nós, políticos; nós, representantes do Poder Público; não temos sido capazes de enfrentar esse ¿monstro¿, como disse o próprio Celso Athayde ao se referir à guerra instalada pelo tráfico. Por que não conseguimos dar as condições necessárias para que essas famílias tenham uma vida digna? Será que é tão difícil concorrer com essas atividades ilícitas? Será que é tão difícil evitar que meninas façam programas sexuais pelo irrisório valor de 1,99 real, como mostramos na CPMI da Exploração Sexual e como continua acontecendo, segundo reportagem publicada no GLOBO?

É fundamental garantir a toda criança brasileira uma educação de qualidade desde a primeira infância. Mas somente isso não basta. Temos que olhar para dentro dessas famílias. Recentemente, o economista Ricardo Paes de Barros, um dos nossos maiores especialistas no combate à pobreza, fez uma sugestão bastante pertinente para que possamos avançar mais em ações como o Bolsa Família. Segundo ele, uma estratégia interessante para aprimorar o programa seria capacitar os nossos agentes de saúde, que já fazem um trabalho extraordinário em todo o Brasil, para que eles se transformem em agentes de atendimento integral às famílias. Assim, seria mais fácil conhecer as necessidades e as peculiaridades de cada uma dessas famílias, encurtando o caminho da libertação de ações de cunho assistencialista.

Que o grito de socorro desses meninos e meninas seja capaz de nos tirar da inércia e de nos conduzir à construção de um país mais justo.

PATRÍCIA SABOYA GOMES é senadora (PSB-CE).