Título: INSENSATOS
Autor: JURANDIR FERNANDES
Fonte: O Globo, 27/03/2006, Opinião, p. 7

Numa atitude desatinada, o governo federal enviou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 280 que, em seu artigo 4º, autorizava os empregadores a fornecer o vale-transporte em dinheiro até o limite de R$160,08.

Felizmente, a mobilização em defesa deste importante benefício social foi intensa e ágil, conseguindo impedir que essa medida insensata fosse colocada em prática.

A transformação do vale-transporte em dinheiro causaria retrocesso em vários aspectos. Na questão social, o trabalhador, principalmente o de baixa renda, deixaria de ter a garantia ao acesso ao local do emprego. Isso porque, ao receber o dinheiro, acabaria utilizando-o com outras necessidades (como alimentação e moradia). Era exatamente este motivo que, antes da existência do vale-transporte, levava ao absenteísmo e, conseqüentemente, à perda do emprego.

O vale-transporte é um direito intocável do trabalhador brasileiro, que sempre fica longe de qualquer negociação trabalhista. O pagamento em dinheiro do vale-transporte sem dúvida se juntaria aos salários nas mesas de negociações entre patrões e empregados e, até mesmo, por ocasião das contratações.

Outro fator importante é que, com o vale-transporte, o trabalhador recebe, automaticamente, todo e qualquer reajuste nas tarifas, subsidiado pelo empregador. Com a transformação do benefício em dinheiro, não haveria garantia de que os reajustes seriam repassados. Só para se ter uma idéia, antes da criação do vale-transporte, quando havia aumento nas passagens, o empregado perdia de 10% a 20% do seu salário.

Se o governo tivesse conseguido aprovar no Congresso a medida que autorizava o pagamento do vale-transporte em dinheiro, haveria um retrocesso tecnológico, pois mais de 50% das cidades já adotaram o sistema de bilhetagem eletrônica.

A bilhetagem eletrônica proporciona vantagens. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a implantação do Bilhete Único reduziu o assalto em ônibus de 12 mil/mês para 2 mil/mês, em conseqüência da menor circulação de dinheiro.

Ora, se essa iniciativa absurda prejudica o trabalhador e as empresas do setor, fica no ar a pergunta: a quem interessa transformar o vale-transporte em dinheiro, acabando com um programa social que há mais de 20 anos atende com pleno sucesso empregados e empregadores? Desta vez, o final foi feliz. Mas, precisamos ficar atentos.

JURANDIR FERNANDES é Secretário dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo.