Título: Queda livre
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 28/03/2006, O GLOBO, p. 2

Dois temores ajudaram a prolongar a agonia do ministro Antonio Palocci no cargo. O primeiro já se confirmava logo após a demissão: o delegado Benedito Valencise anunciou que o indiciará por irregularidades em Ribeirão Preto. O outro é o de que o presidente Lula torne-se agora o próximo alvo da oposição através da CPI dos Bingos, incendiando a campanha eleitoral.

O anúncio imediato de Guido Mantega para o cargo ¿ uma opção feita por Lula há alguns dias, quando passou a trabalhar com a hipótese de ter mesmo que afastar Palocci ¿ fez parte de um esforço para mostrar que o presidente não ficou isolado e sem alternativa. Mantega deu rápida entrevista no início da noite para dizer isso e o mais importante: que a política econômica não muda e é do próprio Lula, seu fiador. Mas é inegável que a saída de Palocci, nas condições em que ocorreu, foi um golpe tão ou mais duro que a queda de José Dirceu. Lula agora terá que refazer seus pilares. O governo fica mais frágil e maior o estoque de munição que a oposição usará na campanha, tornando mais incerta a reeleição que neste início de ano voltara a ser bem provável. ¿Agora, quem blinda Lula é o povo¿, diziam ontem alguns petistas, numa referência ao maior capital restante ao presidente: seu carisma e seu apoio nas classes populares. Uma das condições estabelecidas para a permanência de Palocci era a de que seu caso não começasse a contaminar o presidente. E neste fim de semana houve sinais de que isso começava a acontecer.

¿Temos que pagar por nossos erros¿, disse Palocci em seu canto do cisne de sexta-feira, ao falar na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. Sua queda não decorreu da controvérsia sobre ter ou não ter freqüentado a casa mal afamada de ex-colaboradores do tempo de Ribeirão Preto, mas da quebra e do vazamento do sigilo bancário do caseiro Francenildo, que provocou tão fortes reações. No instante em que o presidente da CEF, Jorge Mattoso, disse à Polícia Federal ter entregado o extrato de Francenildo ao próprio Palocci, ele entrou em queda livre. Lula soube imediatamente, através do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Chegava ao fim o enredo mais equivocado em que já se meteu um governo, o de cometer um crime para tentar esclarecer uma suspeita, a de que o caseiro recebera dinheiro para ajudar a oposição a derrubar o ministro da Fazenda. Podiam ter feito isso pelas vias legais.

As reações foram positivas, a punição do crime também. Ajudam a valorizar os direitos e garantias individuais e a esconjurar violações. Mas os métodos da oposição também merecem alguma reflexão. Eles não justificam o erro cometido. Não tornam a oposição responsável pelas conseqüências mas é preciso conhecê-los para se entender o grau e o encarniçamento da luta política em curso. Palocci fala disso quando se refere, na carta de demissão, a ¿todo tipo de maldade¿. Se no início da crise a oposição o blindou, neste início de ano, com a recuperação de Lula nas pesquisas, transformou-o em bola da vez. Ele se queixou na carta de que assuntos que já pareciam superados foram retomados pela ¿exacerbação da luta política¿, tornando-o ¿alvo de todo tipo de maldade e acusação¿. Referia-se às investigações sobre suas relações com a turma de Ribeirão Preto, retomadas pela CPI dos Bingos este ano, quando alguns senadores descobriram um motorista que disse tê-lo visto na tal casa. Depois, surgiu o caseiro.

No início de janeiro a senadora Heloisa Helena teve uma conversa de oito horas com a famosa Jeany Mary Corner, registrada nesta coluna por Ilimar Franco. A conversa deu à senadora a certeza de que ele estivera na tal casa. Faltava levá-lo a mentir à CPI, aonde iria em breve. Foi o que se deu.

Se a oposição pôs a corda no pescoço de Palocci, ele mesmo puxou o laço ao envolver-se na quebra do sigilo, conforme informou à Polícia Federal o presidente da CEF.

Resta saber se estará saciada a oposição ou se a CPI dos Bingos vai agora mirar em Lula. Para isso, tem os casos Okamotto e Gamecorp. Tudo indica que a nova batalha começa hoje mesmo. Um tal tiroteio contra um presidente candidato, a poucos meses da eleição, fará da campanha um campo minado.