Título: O NOVO PROTECIONISMO EUROPEU
Autor: Rubens Barbosa
Fonte: O Globo, 28/03/2006, Opinião, p. 7

OBrasil, entre os países produtores de café verde, é o maior produtor mundial de café solúvel, mas está perdendo espaço no mercado internacional. Enquanto a indústria de solúvel dos países consumidores de café aumentou sua participação de 48% para 68%, a brasileira caiu de 29% para 15%. A Alemanha, que não produz uma saca de café verde, detém 11% das exportações mundiais de solúvel.

Apesar das crescentes medidas restritivas, a Europa é o principal destino do solúvel brasileiro, absorvendo 21,5% da exportação total.

No fim dos anos 90, empresas européias produtoras de solúvel conseguiram que a União Européia (UE) instaurasse um mecanismo protecionista com quotas e tarifas elevadas que dificultava o acesso do produto naquele mercado. O solúvel passou a ser discriminado e teve de pagar uma tarifa de 9%, quando foi criado um regime especial (regime droga) para beneficiar os países andinos, isentos de tarifa, dentro de um sistema de concessões unilaterais voluntárias concedidas pelos desenvolvidos aos países em desenvolvimento (Sistema Geral de Preferências ¿ SGP).

Em 1998, o regime foi questionado na OMC pela indústria brasileira, chegando-se a um compromisso com a UE, pelo qual o solúvel brasileiro voltou a ser equiparado aos andinos e deixou de pagar tarifa.

A partir de 1º de janeiro deste ano, sob uma nova roupagem, um novo SGP passou a vigorar na UE e novamente o café solúvel brasileiro foi discriminado entre os países em desenvolvimento com o restabelecimento da tarifa de 9%. Segundo as novas regras, estabelecidas supostamente com critérios objetivos, o Brasil não preenche os requisitos do Regime Especial de Incentivo, nem pode ser considerado país vulnerável para se beneficiar da preferência tarifária.

A forma como o café solúvel do Brasil está sendo excluído do SGP europeu mostra que o regime é inconsistente com a cláusula da nação mais favorecida da OMC porque viola as exigências de não-discriminação e de não-reciprocidade, além de impor barreiras ao comércio com outros membros.

Outro aspecto grave da regulamentação européia diz respeito à obrigatoriedade de adesão às convenções de meio ambiente e sociais incluídas no SGP como condição para o recebimento do benefício. Essa exigência aparentemente viola o princípio da não-reciprocidade e introduz pela porta dos fundos matérias controvertidas (comércio e meio ambiente e comércio e cláusulas sociais) e não aprovadas pela OMC. Os compromissos das convenções são obrigações multilaterais vinculantes de caráter permanente, exigidos em troca da concessão de preferências tarifárias temporais que a qualquer momento podem ser retiradas.

As evidências são no sentido de que a UE está levantando formas sofisticadas de barreiras comerciais para favorecer a sua própria indústria de solúvel.

O atual SGP, com a justificativa de que houve uma sensível melhora na diversidade de café solúvel disponível no mercado europeu desde 2002, discrimina contra o Brasil e favorece duas grandes empresas produtoras de café solúvel, a suíça Nestlé e a alemã Kraft, que competem com a indústria brasileira.

Mesmo as empresas importadoras e distribuidoras européias estão contra a discriminação do solúvel brasileiro, por dificultar o acesso àquele mercado e aumentar os preços do produto.

Os prejuízos para o setor de solúvel, aliados à intransigência da Comissão Européia, não deixam alternativa para o setor e para o governo brasileiro senão questionar todo o sistema geral de preferências junto ao mecanismo de solução de controvérsias da Organização Mundial de Comércio.

O caso do solúvel, junto com o do algodão e o do açúcar (como também as medidas restritivas ao suco de laranja nos EUA e os subsídios da soja na Europa e nos EUA), mostra a distância que existe entre a retórica dos países desenvolvidos em favor do livre comércio, como fator de crescimento econômico, e a prática da vida real, onde prevalecem os interesses concretos de setores protecionistas, na maioria dos casos indústrias incapazes de competir em um mercado aberto.

Nesse contexto, é, no mínimo, falaciosa a cobrança que a UE faz junto ao Brasil para reduzir as tarifas do setor industrial nas negociações da Rodada de Doha.

RUBENS BARBOSA é consultor e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).