Título: FÓRMULA ENGANOSA¿
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 28/03/2006, O País, p. 8

A tese de que os juros são altos no Brasil porque só assim o mercado aceita financiar o governo tem sido usada para criticar gastos sociais e a atual política fiscal.

É legítimo que algumas pessoas e forças políticas sejam contrárias ao projeto do governo Lula de combinar uma sólida política fiscal com a expansão das políticas sociais. Mas apelar é idéia de que, sem corte em políticas sociais, os juros não podem cair é uma formulação enganosa.

A credibilidade de um Estado quanto à capacidade de honrar sua dívida coloca, sim, um piso mínimo para as taxas de juros reais. Mas, no Brasil, como em qualquer país, nada impede o Banco Central de manter os juros acima desse piso. O BC tem autonomia para atuar. É sua missão afetar as condições financeiras para controlar a inflação e o crescimento do PIB.

Há quem julgue que o BC acertou ao subir os juros em 2004/2005 para conter a inflação. Há quem considere que a dose foi excessiva e que o PIB poderia ter crescido mais. Mas ninguém pode sustentar que a alta resultou de piora nas condições fiscais.

Se fosse pela situação fiscal, os juros reais só poderiam ter caído. Eles subiram apenas por decisão do BC.

Ignorando essa evidência recente, alguém poderia apelar para a idéia de um ¿nível médio de juros¿, que resultaria, este sim, do risco de solvência da dívida pública. Isso também não se sustenta.

Tomando dados de 2004 para 17 países emergentes, a relação Dívida/PIB média foi de 60,7% e a taxa de juros real média foi de 1,1%. Mesmo eliminando cinco países com juros reais negativos, a relação dívida/PIB média foi de 59,3%, e os juros reais médios foram de 3,7%.

O déficit nominal médio de 14 países com os maiores déficits do mundo foi de 2,9% em 2004. Nesses países, a taxa de juros real média foi de 0,7%.

O Brasil está nessas mesmas faixas de indicadores fiscais, até um pouco melhor na divida/PIB. Entretanto, com inflação em 4,5% e juros em 16,5%, a taxa real está em 11,5%.

O mercado compra títulos públicos indexados ao IPCA com juros de 8% para 10 anos. Ora, o risco de solvência é sempre maior para prazos mais longos. Se o mercado aceita taxas reais de 8% para vários anos, não é o mercado que impõe taxas de 11,5% para um dia.

No mercado internacional, sobre o qual o BC não atua e no qual, portanto, o risco de crédito mostra-se mais puro, o ¿risco Brasil¿ está abaixo de 2,5%.

A experiência internacional indica, inclusive, que os juros reais em moeda local normalmente são inferiores ao risco dos títulos de dívida externa. O risco-país médio dos 30 países listados pelo JP Morgam foi de 3,2% em 2005. Os juros reais médios foram de 0,3%.

Mas por que, então, o BC opera com juros tão altos? Parte da explicação está em uma criação do período inflacionário que persiste até hoje: a dívida indexada às taxas de curto prazo.

Sejam estas ou outras as razões do BC, duas conclusões são claras: (1) mesmo com aumento do salário-mínimo e do Bolsa Família, a política fiscal atual é sólida e melhor que a da última década; (2) os juros de curto prazo são altos, não por incerteza fiscal, mas por decisão de política monetária.

DEMIAN FIOCCA é o novo presidente do BNDES.