Título: Escolha do sucessor sugere alterações discretas
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 28/03/2006, O País, p. 8

Corrente desenvolvimentista deve ganhar mais voz no governo, embora não se esperem alterações significativas

BRASÍLIA. A escolha do presidente do BNDES, Guido Mantega, para substituir Antonio Palocci no Ministério da Fazenda indica que, no ano eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não seguir estritamente a cartilha ortodoxa da política econômica herdada do governo anterior. A indicação de Mantega mostra que a corrente com viés mais desenvolvimentista ganhará voz no governo, embora não se cogitem mudanças significativas nos fundamentos da economia.

O novo ministro da Fazenda tem uma relação muito próxima com o presidente Lula. Contribuiu com o programa econômico do PT desde a eleição de 1989. E a partir de 1993 tornou-se assessor econômico do próprio Lula, sendo um dos coordenadores do programa econômico de 2002.

Com esse perfil, Mantega seria um candidato natural ao posto de ministro da Fazenda já na eleição de Lula, mas as circunstâncias políticas e a turbulência econômica da época conspiraram a favor de Palocci, mistura de médico e político que conquistou o mercado financeiro ainda na transição.

Críticas internas à economia

À frente do Ministério do Planejamento, Mantega mostrou-se disciplinado, deixando para as discussões internas de governo suas críticas duras à política econômica, especialmente em relação à trajetória da taxa de juros e à pouca ousadia do Banco Central para baixar as taxas. Mostrou também habilidade para negociar reajustes com os servidores públicos, uma pedra no sapato de Lula que acabou retirada com a concessão de reajustes diferenciados de até 35% e ampla reestruturação de carreiras estratégicas para o governo.

No fim do ano passado, já na presidência do BNDES, Mantega continuou assessorando Lula nos assuntos econômicos. Com despachos semanais no Palácio do Planalto, tornou-se um importante aliado da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, na luta por mais investimentos em infra-estrutura e a manutenção do superávit primário em 4,25% do PIB. As equipes da Fazenda e do Planejamento defendiam um superávit de 5% para fazer frente ao aumento da dívida pública.

Nomeação não causou surpresa

Nascido em Gênova, na Itália, o novo ministro da Fazenda é formado em economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP. Fez doutorado em sociologia do desenvolvimento na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, com especialização no Institute of Developing Countries (IDS) da Universidade de Sussex, Inglaterra, em 1977.

Professor de Economia no curso de mestrado e doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ( PUC-SP) de 1984 a 87 e diretor de Orçamento e Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo no período entre 1982 a 1992, Mantega tem vários livros publicados sobre temas econômicos. E um livro que foge completamente ao tema. Na década de 80, Mantega escreveu um tratado sobre ¿Sexo e Poder¿, com um grupo de sociólogos.

No governo, Mantega conseguiu um feito raro. Manteve-se como aliado histórico do PT e ganhou a confiança do mercado. Na passagem pelo Ministério do Planejamento, mostrou-se leal na defesa da política e da equipe econômica, mesmo quando não concordava com algumas medidas nos bastidores. No BNDES, reforçou seu viés desenvolvimentista e teve alguns embates com o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, na defesa de uma queda mais acentuada da taxa de juros que remunera os empréstimos ao setor produtivo. Esse discurso soou como música aos ouvidos dos empresários, que passaram a considerar Mantega um aliado na luta pela queda dos juros.

Na semana passada, o presidente do BNDES estava no topo de todas as listas de substitutos de Palocci. Os analistas do mercado não acreditam que Mantega mudará os rumos da política econômica e passaram a considerá-lo um substituto confiável para o posto de Palocci.

A gestão de Mantega à frente do BNDES também é elogiada por assessores do Palácio do Planalto e pelos analistas do mercado. E existe um aspecto na biografia do novo ministro da Fazenda que ganha peso nesse momento de crise política: a ética. O nome de Mantega nunca foi envolvido em escândalos durante sua gestão à frente do Ministério do Planejamento e no BNDES. Assessores com trânsito no Planalto lembravam esse detalhe na semana passada, quando a saída de Palocci estava sendo discutida nos bastidores do governo, mas já era considera como provável pelos mercados.