Título: Murilo Portugal sai e luz amarela acende
Autor: Henrique Gomes Batista
Fonte: O Globo, 28/03/2006, O País, p. 8B

Temor é que com ele se demitam os principais nomes da equipe econômica, cuja permanência acalmava o mercado

BRASÍLIA. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, pediu demissão minutos após o primeiro pronunciamento do novo ministro Guido Mantega. Essa alteração não era esperada pelo mercado e pela equipe técnica da pasta, e pode trazer mais instabilidade à economia nos próximos dias do que a própria troca do ministro.

O temor agora é que sua saída seja sucedida por uma debandada dos principais assessores de Palocci no ministério, como o secretário de Política Econômica, Bernard Appy, e o do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. O governo percebeu o risco. Após o anúncio oficial da demissão de Palocci, o ex-ministro recebeu ligações de interlocutores do presidente Lula pedindo que ele entrasse em contato com a sua equipe e apelasse à permanência dos secretários e técnicos com cargos de destaque na nova gestão. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), líder do governo, também entrou na operação, ligando para Levy e pedindo que ele ficasse.

Na carta endereçada ao presidente Lula, Portugal alegou que ocupava um cargo de confiança e foi convidado por Palocci. Com sua saída, afirmou, seu pedido de exoneração era irrevogável. Após o comunicado, o ex-secretário-executivo ¿ uma espécie de vice-ministro ¿ seguiu para a casa de Palocci para comunicar sua decisão e prestar solidariedade ao ex-chefe.

Durante a crise, Portugal foi o condutor da economia

Murilo Portugal era considerado um dos fiadores da atual política econômica e há meses ¿ desde o recrudescimento das denúncias contra Palocci, que fez com que o ex-ministro passasse a maior parte do tempo no Palácio do Planalto ¿ transformou-se no condutor da economia. Foi considerado o sucessor ideal para Palocci durante toda a crise. Seu nome era o preferido dos principais agentes econômicos brasileiros e internacionais.

A confiança em seu nome devia-se ao fato de que Portugal era considerado o homem mais ortodoxo da equipe de Palocci. Ele já integrou a equipe econômica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no cargo de secretário do Tesouro Nacional e era considerado um dos pais do arrocho fiscal. No início do governo Lula, Portugal estava no Fundo Monetário Internacional (FMI) e, em abril de 2005, entrou no posto mais importante do Ministério da Fazenda, logo após o cargo do ministro.

Sua saída pode dar espaço para que ao menos outros dois secretários desistam de seus cargos no ministério. Bernard Appy e Joaquim Levy são os dois auxiliares de Palocci com maior probabilidade de saírem. Além de serem muito próximos ¿ Appy está com Palocci desde os tempos de Ribeirão Preto ¿ e afinados com o ex-ministro, ambos demonstram, reservadamente, alguma insatisfação com suas funções.

Levy estaria com um pé em uma diretoria do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Sua ida para o novo cargo pode ser anunciado nos próximos dias, durante o encontro anual da instituição, que ocorrerá em Belo Horizonte a partir de domingo. Juntamente com Portugal, Levy é considerado um dos principais articuladores da atual política econômica. Ele esteve à frente do processo de melhora do perfil da dívida externa e, por isso, conquistou a confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos últimos meses.

Levy, assim como outros importantes secretários do ministério, receberam a notícia da demissão do ministro Palocci praticamente junto com a imprensa. Foi o caso de Helcio Tokeshi, da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae). O secretário do Tesouro estava com coletiva marcada para as 17h e, pego de surpresa, a desmarcou pouco antes de sua realização para se inteirar dos fatos.

A apreensão com o futuro da equipe econômica contrastou com o clima de tranqüilidade da área técnica no momento do anúncio da demissão de Palocci, no meio da tarde. Na avaliação de fontes das principais secretarias da Fazenda, a saída do ex-ministro era certa e não causou surpresa. Além disso, o discurso unificado de vários integrantes do governo e do PT, de que os fundamentos da política econômica seriam mantidos, independentemente de quem estivesse à frente da pasta, dissipara a tensão dos últimos dias.

Mas a saída de Portugal acabou acendendo novamente a luz amarela, mesmo depois das primeiras declarações de Mantega. Ele afirmou na primeira entrevista à frente do cargo que a política econômica atual, cujo fiador é Lula, é a mais bem-sucedida dos últimos 15 ou 20 anos e por isso não tem porque ser alterada.

Meirelles deve ficar à frente do Banco Central

Henrique Meirelles, presidente do Banco Central (BC), que esteve reunido com Palocci, Mantega e Lula na quarta-feira da semana passada, teria recebido sinais de que permanecerá no cargo até o fim do mandato, embora Mantega ontem tenha dito que não descarta qualquer alteração na equipe. Uma alteração no comando da autoridade monetária acentuaria a desconfiança dos mercados de que o histórico desenvolvimentista de Mantega ¿ afinado com as idéias de boa parte do PT ¿ poderá se impor.