Título: Credibilidade sustentou decisões na Fazenda
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 28/03/2006, O País, p. 9

Ministro que tranqüilizou mercado deixa cargo com inflação em um dígito, superávit comercial e país livre do FMI

Ao assumir o Ministério da Fazenda, em janeiro de 2003, o médico Antonio Palocci Filho tinha como missão curar uma economia ameaçada pelo mal que julgara ter debelado nos anos anteriores. No triênio de gestão, o ministro e sua equipe não petista conseguiram trazer a inflação brasileira de volta a um dígito, o país bateu recorde sobre recorde no comércio exterior e se despediu de sete anos de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Não sendo economista, Palocci venceu o desafio da Fazenda. Complicou-se no trato com o mundo que parecia dominar, o da política.

Credibilidade foi o substantivo que acompanhou a passagem de Palocci pelo ministério. Antes mesmo da posse em 2 de janeiro de 2003. Assombrada pela possibilidade da adoção de uma política econômica heterodoxa ¿ bem ao estilo que o PT e seu persistente candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, alardearam em campanhas anteriores ¿ a corrida eleitoral de 2002 levara a uma megadesvalorização do real, que no pico do nervosismo bateu em R$3,99 por dólar.

O então candidato expôs na ¿Carta ao povo brasileiro¿ seu compromisso com as linhas gerais da política econômica do antecessor, Pedro Malan. Na Presidência, Lula seguiria a cartilha de responsabilidade fiscal, sistema de metas de inflação e câmbio flutuante, com a benção do FMI. Quem garantia era Palocci.

Abandonou idéias do PT e adotou ¿Agenda perdida¿

Após o segundo turno da eleição, o ex-prefeito de Ribeirão Preto foi designado chefe da equipe de transição na área econômica. Já ali deu sinais de rompimento com as idéias históricas do PT. Aproximou-se de Marcos Lisboa, economista carioca que coordenou a ¿Agenda Perdida¿ (um documento com propostas de reformas para pôr o país no caminho do desenvolvimento) e mais tarde tornou-se secretário de Política Econômica da Fazenda.

Henrique Meirelles, deputado eleito pelo PSDB-GO, foi escolhido para o Banco Central (BC), instituição que vem mantendo nesses três anos um grau de autonomia acima do esperado num governo PT. Nos primeiros meses de gestão, Palocci e sua equipe anunciaram impopulares aumentos nos juros básicos e no superávit primário. Em todas as ações, o ministro teve o apoio do presidente Lula ¿ até quando bateu de frente com os poderosos José Dirceu e Dilma Rousseff, ambos da Casa Civil.

Ministro não conseguiu fazer reformas microeconômicas

Palocci assumiu a impopularidade de um crescimento econômico de 0,5% no primeiro ano do governo petista, para devolver à inflação a trajetória de queda. Colheu bons frutos no ano seguinte, quando o Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto de riquezas produzidas no país) cresceu 4,9%, o melhor desempenho desde o primeiro ano do Plano Real. Voltou a apanhar no ano passado, quando a inflação deu sinais de resistência e o BC retomou o arrocho monetário.

Em 2005, o PIB decepcionou: a expansão ficou em 2,3%, mais de um ponto percentual abaixo das projeções iniciais. Ainda assim, o saldo comercial superou US$44 bilhões, o maior da História. E o Brasil anunciou, antes do tempo, a quitação da dívida de US$15 bilhões e o fim do acordo que começara em 1998.

Palocci só não conseguiu dar andamento às reformas microeconômicas que não cansava de mencionar, desde que assumiu o ministério. Foi mais um projeto que esbarrou nos entraves do mundo da política ao médico da Fazenda.