Título: `Houve quebra de confiança¿, desabafou Lula
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 28/03/2006, O País, p. 15

Presidente mandou investigar Mattoso porque desconfiava que Palocci havia mentido sobre o extrato do caseiro

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu demitir o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, assim que chegou ao Palácio do Planalto, às 15h40m de ontem. Numa reunião com ministros da coordenação política, Lula recebeu a confirmação de que o então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, iria incriminar Palocci no episódio da quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Lula telefonou para o ministro da Fazenda para consumar a sua demissão.

Ainda de manhã, em Curitiba, Lula soube que Mattoso iria dizer em seu depoimento à Polícia Federal que entregou para Palocci o extrato bancário de Francenildo. Irritado com a notícia, Lula determinou que o presidente do BNDES, Guido Mantega, estivesse em Brasília no início da tarde. Segundo assessores do Palácio do Planalto, àquela altura Lula já estava praticamente decidido pela saída de Palocci.

O chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, foi o encarregado pelo presidente de apurar o que Mattoso iria relatar no depoimento à PF. Antes de Lula chegar ao Planalto, o grupo de coordenação política já estava informado sobre o que falaria Mattoso. Estavam reunidos os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Jaques Wagner (Relações Institucionais), Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Ciro Gomes (Integração Nacional). Segundo relatos de assessores palacianos, Lula estava contrariado.

¿ Houve quebra de confiança. Com o depoimento de Mattoso, não tem mais como Palocci ficar. A situação ficou insustentável. Houve uma quebra ilegal de sigilo. Não posso mais sustentar um suspeito ¿ desabafou Lula.

Para Lula, Palocci deixou governo vulnerável

No mesmo momento, o presidente convocou Palocci para uma audiência.

¿ Palocci, venha aqui! ¿ disse Lula ao telefone.

A conversa entre os dois não teve testemunhas. Lula estava decidido a demiti-lo. Mas, segundo dois ministros, o presidente optou por uma saída honrosa para Palocci: deixou que ele anunciasse o seu afastamento. Segundo assessores, a intenção do ministro era se licenciar do cargo até que o episódio fosse esclarecido. Mas Lula não aceitou. Concordou, porém, que Palocci entregasse uma carta apresentando os seus motivos.

Um ministro contou que até o último momento Palocci continuava mentindo para Lula e insistia em dizer que não tinha nada a ver com a quebra de sigilo de Francenildo. Lula ficou assustado com a atitude de Palocci e teria dito a ele:

¿ Mas diante de todas as circunstâncias, você não tem como continuar no governo.

Segundo esse ministro, Lula considera que Palocci deixou o governo vulnerável e, nos últimos dias, já analisava o nome de Guido Mantega.

¿ Lula sabia que não podia ficar dez minutos sem ministro da Fazenda. Por isso convocou Guido. É o economista que tem mais intimidade com o presidente ¿ disse um assessor.

Mantega esperava falar com Lula numa sala no quarto andar do Palácio do Planalto desde às 15h. Quando Palocci saiu do gabinete, Lula o chamou. Disse que Palocci estava fora e que ele seria o novo ministro.

Na semana passada, ao receber informações sobre o rumo das investigações da PF, Lula ficou assustado com a possibilidade de Palocci estar envolvido na quebra de sigilo.

¿ A situação passou do limite ¿ desabafou Lula na sexta-feira para um ministro.

Palocci sai em situação mais delicada que a de Dirceu

No fim de semana, Lula teve uma longa conversa com Palocci. Queria saber o que de fato aconteceu com a quebra de sigilo. Lula já tinha a informação de que Palocci tinha obtido o extrato bancário e que o vazamento da notícia para a revista ¿Época¿ tinha saído da assessoria do Ministério da Fazenda. Palocci negou que estivesse envolvido.

¿ Palocci, quem tiver culpa nesta história vai embora ¿ avisou Lula.

Segundo um ministro, Lula não ficou convencido com o relato de Palocci. Achava que ele havia mentido. Pior: quebrara a sua confiança. Foi então que determinou uma apuração paralela com Jorge Mattoso. Queria saber a versão do presidente da Caixa. A avaliação feita ontem no núcleo do governo é que Palocci sai da Fazenda numa situação bem mais delicada do que o ex-ministro José Dirceu.

¿ Palocci achou que ia desmoralizar o caseiro com a quebra de sigilo. Mas o feitiço virou contra o feiticeiro. Ele sai pior do que o Dirceu. Até porque negou o tempo todo para o presidente o envolvimento com o episódio ¿ disse um ministro.

Com a demissão de Palocci, Lula fica praticamente isolado no Planalto. Perdeu o todo-poderoso ministro político Dirceu, agora perde o homem forte da economia, seu grande trunfo hoje. Além de vários outros petistas que deixaram o Ministério para dar lugar a aliados, Lula teve que rebaixar também seu amigo Luiz Gushiken, petista histórico que comandou com mão de ferro a Secretaria de Comunicação de Governo. Entre outras perdas sofridas para Lula está a do ex-ministro da Cidades Olívio Dutra, o petista gaúcho amigo do presidente desde os tempos da Constituinte.

A equipe ministerial que enfrentará a campanha à reeleição de Lula é totalmente diferente da que tomou posse em 2003, quando a maioria absoluta dos ministros ¿ mais de 20 em 33 ¿ era do PT, comandados por Dirceu e Palocci. Até novembro do ano passado ainda eram 18 os petistas que comandavam ministérios e secretarias especiais com status de ministério. Hoje, esse grupo está restrito a 13 nomes e pode diminuir mais ainda com as substituições que serão feitas até dia 31, por força do prazo de desincompatibilização que obriga os que vão disputar eleição a saírem do cargo no Executivo.