Título: Um poliedro
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 30/03/2006, O GLOBO, p. 2

O relatório final da CPI dos Correios é categórico na afirmação de que o mensalão existiu mas imperfeito na demonstração da origem dos recursos do valerioduto. É duro mas incoerente nos pedidos de punição. Acusa de corrupção ativa os que teriam concebido e operado o esquema, inclusive os ex-ministros Dirceu e Gushiken, mas apenas de crime eleitoral e de sonegação os deputados que receberam recursos. Para ser aprovado, o texto deve ter que ser modificado.

Se o dinheiro recebido do valerioduto pelos deputados apontados à cassação não foi para ajuda de campanha, como alegaram, e sim um suborno para que votassem a favor do governo, o crime deles deve ser o de corrupção passiva. Esta foi a crítica que mais ecoou ontem ao relatório de Serraglio, cuja divulgação foi precedida de um tira-lá-põe-cá que certamente contribuiu para transformá-lo numa peça ambígua. Rico enquanto narrativa e descrição dos delitos, o relatório é frágil na apresentação de provas. Para evitar acusação de responsabilidade ao presidente Lula e menção à empresa de seu filho Fábio, a Gamecorp, os governistas permitiram omissões que beneficiam figuras e partidos postos na linha de tiro. Acabou ficando na gaveta a lista de outros deputados cujos assessores teriam ido ao Banco Rural ou recebido recursos de corretoras, supostamente originários de fundos de pensão. Divulgá-la seria misturar inocentes e culpados. ¿Meu assessor mesmo foi pagar contas no Rural¿, diz o pefelista Rodrigo Maia. Mas fica evidente que a CPI perdeu a hora de passá-la por boa peneira. Ficou devendo.

São positivas as propostas de combate à corrupção, elaboradas pelo deputado Onyx Lorenzoni e encampadas por Serraglio. Embora a raiz de todo o mal esteja nos defeitos de nosso sistema político que levam aos ilícitos eleitorais e ao uso da máquina pública para garantir a governabilidade (apoio no Congresso), sanáveis apenas por corajosa reforma política.

Tendo apresentado o valerioduto como resultado do maior esquema de desvio de recursos públicos de todos os tempos, a CPI não conseguiu demonstrar isso cabalmente. Dos cerca de R$55 milhões repassados por Marcos Valério aos aliados do PT e do governo, foi demonstrada a origem de apenas R$31 milhões, de origem pública e privada. A maior parte teria vindo do Banco do Brasil, pela Visanet, os R$12 milhões adiantados a agências de Valério por serviços não comprovados. As fontes privadas seriam a Brasil Telecom e a Usiminas. Falou-se muito de outras empresas e até de grandes bancos, que não apareceram. O Rural e o BMG foram indiciados.

Entre as medidas para combater a corrupção, destaque para a redução dos cargos de confiança, de 24 mil para cerca de 4 mil. Reduzir o poder de nomear dos que governam e a gula por cargos (e de negócios por eles propiciados) dos que têm votos no Congresso seria uma medida eficaz mas talvez seja inexequível. Quem estiver no governo dificilmente aceitará o fim das bocas negociadas no varejão político.

Já o Sistema Nacional de Combate à Corrupção, reunindo e integrando órgãos como CGU, CVM, Receita, Coaf, Polícia Federal, Ministério Público, Banco Central, precisa sair do papel e virar realidade. Como diz Lorenzoni, o que existe hoje são grupos isolados de caçadores de borboletas, quando é preciso montar uma rede articulada e resistente para pegar de bagres a tubarões.

Controlar os gastos das estatais e vigiar as licitações são outras boas medidas, assim como a limitação dos gastos de publicidade a 0,2% da receita corrente líquida, no caso da União, e a percentuais pouco maiores, no caso de estados e municípios.