Título: O DESLEIXO COM A SAÚDE NO RIO
Autor: PAULO PINHEIRO
Fonte: O Globo, 30/03/2006, Opinião, p. 7

No dia 11 de março de 2005 o ¿Diário Oficial da União¿ circulava com a íntegra do Decreto 5.392, assinado pelo presidente Lula, oficializando algo que os moradores do Rio de Janeiro já haviam diagnosticado: o estado de calamidade pública. Estava decretada a intervenção na saúde do Rio.

Com erros e acertos, a intervenção serviu para que o Ministério da Saúde e a prefeitura assinassem um acordo para o cumprimento de ações de saúde que poderiam beneficiar os usuários do SUS.

Hoje o Ministério da Saúde faz a parte dele. Está pagando tudo aquilo que devia à prefeitura, segundo os cálculos do próprio secretário municipal de Saúde, e ainda recebeu de volta quatro grandes hospitais desta cidade (por sinal, muito sucateados). Está, também, pagando obras e equipamentos para vários hospitais municipais; e criou uma comissão metropolitana para discutir as ações de saúde no estado.

E o estado e o município do Rio, o que fizeram para melhorar o setor?

Durante 2005, o município, segundo acordo que assinou com o Ministério da Saúde, teria de ampliar o acesso da população às ações de atenção básica, aumentando o programa de Saúde da Família para 180 equipes até março de 2006 e a resolutividade dos postos de saúde. Teria, também, de melhorar a qualidade do atendimento de urgência e emergência na cidade.

Infelizmente, nada disso ocorreu. Os hospitais municipais de emergência enfrentaram diversas crises em 2005. Falta de medicamentos e de comida para funcionários e pacientes; equipamentos (tomografia computadorizada, ultra-sonografia, raios-x, respiradores) sem manutenção; falta de profissionais de saúde em unidades básicas, principalmente na Zona Oeste; abandono do trabalho das firmas de segurança; falta de manutenção nos equipamentos de refrigeração. E tudo isso por um só motivo: a má gestão de recursos públicos.

Todos esses fatos foram constatados numa CPI na Câmara Municipal e numa ação movida pelo Ministério Público Estadual, que responsabilizou o secretário municipal de Saúde e o prefeito por improbidade administrativa.

E a Secretaria Estadual de Saúde, como se comportou na função de gestora plena? Foi um fracasso total. Ela não conseguiu implementar, minimamente, a prometida Central de Regulação de Leitos. A rede hospitalar do estado conseguiu ter um desempenho pior que o da rede municipal. Seus hospitais patinam entre as dificuldades de manutenção e o excesso de determinados profissionais terceirizados contratados por indicação política.

A Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa realizou dezenas de visitas às redes municipal, estadual e federal, o que deu origem a 26 representações ao Ministério Público Estadual cobrando providências judiciais para esse descalabro. E dentre as inúmeras ações civis públicas apresentadas à Justiça, destaca-se aquela em que o governo do estado é cobrado pelo Ministério Público Federal a devolver mais de R$1 bilhão desviados do Fundo Estadual de Saúde para programas assistencialistas, como o cheque-cidadão e farmácia e restaurantes populares.

Mas além de cobrar na Justiça os direitos usurpados do cidadão, o que mais pode ser feito? Em primeiro lugar, exigir que o Ministério da Saúde exerça maior fiscalização sobre os recursos que repassou aos governos estadual e municipais. Segundo dados dos sistemas de controle financeiro disponíveis (Siafem e Fincon), o Ministério da Saúde repassou ao Fundo Estadual de Saúde, ano passado, mais de R$724 milhões, e ao Fundo Municipal, quase R$500 milhões.

Além da maior fiscalização sobre os recursos financeiros investidos, cabe, ainda, ao Ministério da Saúde cobrar a execução dos compromissos constantes dos documentos assinados para a suspensão da intervenção, que apontam os caminhos para o início da solução dos problemas.

Mas para cumprir esse programa mínimo, necessário e urgente, as autoridades municipais e estaduais precisam reavaliar a execução dos seus recursos financeiros. Se gastassem melhor os orçamentos atuais (o executado pela SMS, em 2005, foi de R$1.310.380.000; pela SES, R$2.146.946.337), poderiam exigir mais recursos para a saúde pública fluminense.

A sensação que temos, até agora, é de que as autoridades dos poderes executivos do Rio não conseguiram, ainda, esse entendimento. Cabe ao povo, que é quem paga a conta, ensinar a elas, num futuro próximo, esta lição.

PAULO PINHEIRO é deputado estadual (PPS-RJ) e presidente da Comissão de Saúde da Alerj