Título: Palocci sabia de quebra antes de receber extrato
Autor: Alan Gripp e Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 30/03/2006, O País, p. 14

Ex-ministro vai depor amanhã de manhã na PF; ele foi intimado quando se preparava para fazer exames médicos

BRASÍLIA. O depoimento do ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso à Polícia Federal indica que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci saberia da operação da Caixa para quebrar o sigilo do caseiro Francenildo antes mesmo de receber o extrato na residência oficial.

No depoimento de Mattoso, ao qual O GLOBO teve acesso, ele admitiu que enquanto jantava num restaurante em Brasília, na noite de 16 de março, recebeu uma ligação de Palocci. Na conversa, avisou ao ministro que ¿estava informando ao Coaf e ao Bacen¿ (Banco Central) sobre a ¿movimentação atípica¿ na conta do caseiro. Mattoso tinha acabado de receber de seu assessor a cópia do extrato da conta.

O ex-ministro Antônio Palocci foi intimado ontem pela PF a depor amanhã de manhã, em Brasília. Quando os policiais chegaram à casa do ex-ministro, equipe de um laboratório colhia sangue de Palocci, para exames médicos.

À PF, Mattoso disse não ter recebido uma ordem superior para levantar a vida bancária do caseiro. Sustenta apenas que ¿pensou em pesquisar¿ os dados em virtude das hipóteses levantadas, sem relatar de onde elas vieram. Depois, argumenta que entregou os extratos a Palocci porque ¿achou por bem notificar seu superior dos valores atípicos¿. E disse não ter idéia do destino dado a eles.

PF tem dúvida sobre ordem para a invasão e vazamento

Mattoso jantava no restaurante La Torreta, na Asa Sul de Brasília, com dois assessores diretos, quando recebeu o extrato. Os papéis lhe foram entregues por um terceiro funcionário do banco, o consultor da presidência Ricardo Schumann, num envelope com o timbre da Caixa.

A PF já ouviu Schuman, a superintendente Sueli Aparecida Mascarenhas e o gerente Jeter Ribeiro de Souza. Os depoimentos permitiram à PF reconstituir o episódio, mas ainda há mistério sobre a ordem de execução da invasão e o vazamento dos dados para a revista ¿Época¿.

Dentro da CEF, a operação começou a ser executada por volta das 20h, quando Schumann foi chamado por Mattoso ao seu gabinete. No depoimento, o consultor contou que recebeu do presidente os dados do caseiro e a ordem, secamente: ¿Veja o que ele tem na Caixa¿. O chefe fez a observação de que o pedido era sigiloso, mas Schumann disse não ter achado estranho e ligou para Sueli. Ela lhe disse que Jeter era de confiança, perfeito para a missão, que durou cerca de uma hora. Jeter contou à PF que recebeu a ordem de Sueli e, mesmo achando ¿não usual¿, a cumpriu. Contou que o acesso à conta do caseiro ¿aconteceu depois das 20h porque o prédio fica à meia-luz¿.

Já Sueli disse que não acessou a conta porque não tinha a senha. Também disse considerar o pedido pouco usual, mas disse que tocou a operação acionando Jeter porque ¿não cabe questionar ordem vinda do gabinete da presidência; porque são funções de confiança e presume que as pessoas sejam idôneas¿.

Após a impressão do extrato, Schumann relatou que recebeu os papéis de Sueli, pôs num envelope pardo, trancou-os numa maleta e, como Mattoso já havia saído do prédio, encontrou-o no restaurante. Eram 21h15m. Lá, Mattoso jantava com o diretor jurídico da Caixa, Antonio Carlos Ferreira, e com o assessor de imprensa Gabriel Nogueira. Ao entregar o envelope, conta, Mattoso ¿recebeu, abriu, conferiu as folhas num rápido lance e o fechou¿, sem que as folhas fossem vistas pelos assessores.

No Senado, parlamentares da oposição ainda tentam identificar de onde veio a ordem para que o sigilo do caseiro fosse violado. Ontem, declarações do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) provocaram confusão e constrangimento no PT. Ele sustentou que um senador petista fora informado que um jardineiro colega de Francenildo teria dito que sabia da movimentação bancária acima de seus rendimentos. Tião Viana (PT-AC) admitiu que recebeu informação sobre a nova testemunha, mas não sabia de quem se tratava não levou o assunto adiante.

A PF está apostando no depoimento de Palocci para esclarecer o caso. Ontem, o delegado Rodrigo Gomes, que está a frente das investigações, fez contato com um dos advogados de Palocci para acertar a data e o local do depoimento. Gomes quer ouvir Palocci até segunda-feira. Mattoso foi indiciado por violação de sigilo funcional, crime que pode ser punido com dois a seis anos de prisão.

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