Título: Especialistas vêem Lula mais exposto a ataques
Autor: Fernando Duarte/Cláudia Lamego/Ciça Guedes
Fonte: O Globo, 29/03/2006, O País, p. 11

Perda de principais assessores levará presidente, cuja imagem foi arranhada, a apostar mais no próprio carisma

RIO e LONDRES. O episódio do caseiro pode enfraquecer a imagem de Lula como a do presidente-operário, defensor das classes menos favorecidas. Outra conseqüência do escândalo que culminou com a demissão de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda, na opinião de historiadores e cientistas políticos, é que Lula se tornará alvo direto da oposição. Como perdeu os principais assessores, sua saída será apostar todas as fichas em si mesmo, em seu carisma, para tentar a reeleição, o que o tornará mais exposto.

Para o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a eleição deste ano, diferentemente da de 2002, do Lulinha paz e amor, será rasteira, marcada por denúncias até sobre a vida privada dos candidatos:

- A campanha deste ano se parecerá mais com a de 1989. É preciso esperar a reação de Alckmin, mas tudo indica que os tucanos também devem partir para o vale-tudo.

Turbulência também é o que prevê o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fábio Wanderley Reis:

- A imagem do governo se enfrentando com o caseiro é inconveniente para o simbolismo popular da figura do Lula. Esse confronto entre um ministro e um modesto caseiro pode ter um impacto muito negativo para o eleitorado. E como Palocci saiu da frente, a oposição vai ter combustível para atacar diretamente o presidente.

Mas se o Planalto conseguir impedir que surjam novas denúncias contra integrantes do governo, o presidente poderá se recuperar de uma eventual queda de popularidade. Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), acha que não é possível ainda prever o impacto do escândalo do caseiro na campanha:

- Isso provavelmente terá algum efeito, mas que poderá se dissipar se o caso ficar restrito ao que se tem até hoje.

O cansaço do eleitorado com as seguidas denúncias de corrupção pode acabar favorecendo Lula, na opinião do professor da UFMG, porque atingem também a oposição. Ele lembra que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, está sendo acusado de favorecer empresas de comunicação com anúncios do banco estatal Nossa Caixa.

- A recuperação do Lula, depois que a crise arrefeceu no fim de 2005, mostra isso. Há um descrédito da classe política e um sentimento de que todos estariam envolvidos em corrupção - disse Reis.

David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), vai além: por terem telhado de vidro, PT e PSDB podem até fazer um pacto de não-agressão durante a campanha:

- Em 1994, 1998 e 2002, Lula e Fernando Henrique fizeram um pacto de cavalheiros de não tocar em certos assuntos. É possível que depois dessas escaramuças cheguem de novo a um acordo.

O uruguaio Francisco Panizza, especialista em política sul-americana da London School of Economics and Political Science, afirmou que a saída de Palocci deixa Lula mais exposto, e ele pode apelar para uma saída populista para superar a crise.

- Essa saída populista seria a coisa mais natural num momento em que o PT está enfraquecido e debilitado, mas Lula ainda conta com algum carisma junto ao eleitorado - disse Panizza.

O carisma, a capacidade de comunicação e a blindagem proporcionada pela história pessoal de Lula são as razões que o levarão a apostar todas as fichas em si mesmo, na avaliação do coordenador do programa de pós-graduação em ciência política da UFF Eurico Lima Figueiredo:

- O PT terá que se dobrar a essa estratégia que Lula ainda não anunciou, mas já delineou. E a saída de Palocci mostra o poder da democracia de dobrar a soberba dos poderosos. Não se pode fazer mais a política da arrogância.

*Correspondente

"A imagem do governo se enfrentando com o caseiro é inconveniente para o simbolismo popular de Lula"

FÁBIO WANDERLEY REIS

Professor da UFMG

"A saída de Palocci mostra o poder da democracia de dobrar a soberba dos poderosos"

EURICO LIMA FIGUEIREDO

Professor da UFF