Título: CPI negocia citação de Lula em relatório final
Autor: Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 29/03/2006, O País, p. 12

Governistas só aceitam menção de que presidente conhecia informação de Roberto Jefferson sobre mensalão

BRASÍLIA. A citação do nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no relatório final da CPI dos Correios foi intensamente negociada entre governistas e oposição na comissão. A forma que os governistas aceitam é aquela em que Lula é citado como conhecedor da informação de Roberto Jefferson de que havia mensalão mas que pediu providências ao então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP).

O relator Osmar Serraglio (PMDB-PR) não deve avançar o sinal combinado com o governo nesse ponto. Ele não tem elementos para tal e, além disso, dificultaria a aprovação do relatório. Nem os pefelistas que costumam ser mais radicais na oposição ao governo insistem numa citação mais direta e comprometedora, e também consideram que traria problemas para a aprovação do relatório.

Ontem, os governistas que integram a CPI e líderes da base aliada discutiram com o ministro Jaques Wagner a estratégia para a votação do relatório final hoje. E a ordem é mesmo a de apresentar um relatório paralelo se o texto de Serraglio contrariar o que deseja o Palácio do Planalto.

Pelas contas feitas na reunião, o relatório - mesmo sendo uma peça contundente de acusação contra o governo - seria aprovado. O placar: 16 a 15 a favor do relatório ou 17 a 14. Segundo a senadora Ideli, os governistas pedirão vistas e vão apresentar um voto em separado para tentar suprimir trechos inteiros do relatório de Serraglio ou modificar o texto.

Pelo menos 130 pedidos de indiciamento

O relatório deve ter pelo menos 130 pedidos de indiciamento, o que deve incluir José Dirceu e Luiz Gushiken. Os 18 deputados que responderam a processos no Conselho de Ética da Câmara também deverão estar entre os indiciados.

Segunda-feira, Delcídio se reuniu com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e disse que o relatório não poderia ser brando porque a classe política enfrenta momento de muito desgaste. Os oposicionistas avaliam que, com a queda de Palocci, o momento para a votação do relatório é bom para a oposição, porque o Congresso teria de dar uma resposta.

Do outro lado, o relator-adjunto da CPI deputado Maurício Rands (PT-PE) adianta que a base aliada não admitirá a insinuação de que Lula foi conivente com o mensalão.

- Se estiver no texto que ele foi informado por Roberto Jefferson e que mandou apurar, tudo bem. Agora, coisa diferente é tirar proveito por razões eleitoreiras - disse Rands.

Delcídio quer votar o relatório na primeira semana de abril, já que os trabalhos da CPI dos Correios encerram-se dia 10:

- Não podemos deixar repetir o que aconteceu nas outras CPIs que terminaram sem relatório. Isso não seria bom para o Congresso, que já está tão desgastado.

Lista de 50 nomes provoca dúvida na comissão

Relação é de pessoas que estiveram no Rural no dia dos saques

BRASÍLIA. Na véspera da apresentação do relatório final, a CPI dos Correios deparou-se com uma dúvida: o que fazer com uma lista com nomes de aproximadamente 50 assessores parlamentares que estiveram no Banco Rural no mesmo dia em que foram feitos saques nas contas de Marcos Valério ou que receberam dinheiro de corretoras investigadas pela CPI. Até a noite de ontem, prevalecia a idéia de a CPI não entrar neste assunto que, em tese, poderia envolver outros parlamentares no escândalo da valerioduto.

O documento surgiu de um cruzamento entre o banco de dados da CPI, que tem as quebras de sigilo bancários dos investigados. Os nomes poderiam ser incluídos no relatório ou simplesmente enviados à Mesa da Câmara sem que fosse feito juízo de valor. O que fazer com o relatório gerou polêmica entre integrantes da CPI e líderes do governo e da oposição.

- O pior é incluir só agora (no relatório) uma lista que há três meses paira no ar. Quem segurou foi irresponsável ou tinha a intenção de qualquer coisa que não era investigar - afirmou a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC).

Tucano e petista até concordam

Embora discordem sempre, o relator adjunto da CPI, Eduardo Paes (PSDB-RJ), concordou com a petista desta vez:

- Não vou incriminar ninguém apenas porque ligou para o Marcos Valério ou foi ao Banco Rural. "In dubio pró réu" (na dúvida, o benefício é do réu) - afirmou Paes, que admite a possibilidade de a lista ter casos de deputados que receberam recursos irregularmente, e ainda precisam ser investigados.

O líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), também considera que a lista tem de ser melhor analisada e não pode ser incluída no relatório sem uma investigação prévia.

- Você só pode apresentar uma lista em que se tenha direito de defesa. O relatório é uma coisa muito contundente. Então, pelo menos, poderiam dar um prazo de 48 horas para que as pessoas citadas se explicassem - defendeu Maia, que já mandou um motorista à agência do Banco Rural para pagar contas de um posto de gasolina.

Os assessores de parlamentares que constam da lista foram ao Rural no mesmo dia - e apenas nestes dias - em que a diretora financeira da SMP&B, Simone Vasconcelos, esteve na agência do banco. As investigações mostram que ela fazia os saques em dinheiro e distribuía esses recursos.

- Só uma coincidência divina faria o suspeito ir ao banco no mesmo dia que a Simone sacou os recursos. Por outro lado, não há como garantir que esse dinheiro foi parar na conta de algum assessor ou parlamentar - afirma um parlamentar que teve acesso a lista, resumindo o dilema da CPI sobre o que fazer com os nomes.