Título: GILBERTO GIL E HÉLIO COSTA NO CORDEL DA DISCÓRDIA
Autor: Flávia Oliveira e Monica Tavares
Fonte: O Globo, 30/03/2006, Economia, p. 29

Ministro da Cultura lê, para estudantes, texto com críticas ao titular das Comunicações, que responde com ofensas

RIO e BRASÍLIA. O rosário de embates públicos do primeiro escalão do governo Lula ganhou mais uma conta. Dessa vez, os protagonistas foram os ministros da Cultura, Gilberto Gil, e das Comunicações, Hélio Costa. Convidado a dar a aula inaugural da Escola de Comunicação da UFRJ, ontem de manhã, no Rio, Gil recitou para uma platéia de 300 pessoas o texto de cordel de uma autora pernambucana que continha a defesa de um modelo brasileiro para a TV digital e ofensas a seu colega de ministério. O poema trazia os versos: ¿Hélio Costa/ de fato somente aposta/ no monopólio privado¿ e ¿com uma conversa bosta/ só quer saber da imagem/ e do que traz de vantagem/ o comércio de resposta¿.

De Brasília, Costa reagiu duramente. Acusou Gil de estar ¿desatualizado e desinformado¿ sobre o assunto, que está em discussão no governo. Afirmou que o colega não participa das reuniões, onde é ¿sempre representado pelo verdadeiro ministro da Cultura, que é o secretário-executivo (João Luiz Silva Ferreira)¿. E desafiou Gil a ¿falar bosta na frente da ministra Dilma (Rousseff, chefe da Casa Civil, que também integra o grupo interministerial que trata de TV digital)¿.

¿ Só lamento a deselegância do ministro. Não é à toa que alguns amigos dele o chamam de Gilberto Vil. Eu entendo agora a razão deles. Porque para um ministro de Estado, sem me dar conhecimento, fazer uma agressão como essa ¿ disparou Costa, durante entrevista coletiva.

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Para o ministro da Cultura, tudo não passou de um mal-entendido. Ele disse ao GLOBO, no fim da tarde, que recebeu o texto ¿Brasileiros, atenção - O cordel da TV digital¿, da jornalista e poeta Luciana Rabelo, semanas atrás e nunca o lera. Durante a aula de ontem, selecionou o texto aleatoriamente na pasta em que guarda o material sobre TV digital. Deu início à leitura e quando se deu conta das referências a Costa, era tarde:

¿ Nunca havia lido o texto, resolvi ler na hora. Quando vi as referências ao ministro, decidi não censurar. Era uma visão agreste, árida sobre o tema, mas eu estava numa aula sobre comunicação, sobre democracia. Queria mostrar que esse assunto está sendo debatido em todo o país, há vozes e opiniões de todos os lados.

Constrangido, Gil afirmou que o texto não expressa sua posição no debate governamental sobre TV digital nem tampouco sua opinião sobre o colega das Comunicações.

¿ Quero pedir desculpas ao ministro Hélio Costa, se ele tomou como ofensa. Se soubesse o conteúdo do texto, por uma questão de delicadeza, nem teria lido. Não foi intencional, foi totalmente por acaso. Foi um ato democrático de ecoar qualquer voz ¿ disse o ministro da Cultura, sem conhecer o teor das declarações de Costa.

Para o ministro das Comunicações, o cordel lido por Gil contém ¿idiotices¿. Segundo ele, Gil não se preparou para discutir comunicação e TV digital e ¿não teve sequer o cuidado de ler¿ sobre o tema:

¿ Primeiro, ele deveria ter lido o cordel na frente da ministra Dilma. Queria ver se ele consegue falar bosta na frente da ministra Dilma. Se usa o palavreado chulo na frente do presidente, dos ministros de Estado, ou ele não pertence a este grupo ou está lá por acaso.

Para Hélio Costa, o comportamento de Gil foi tão absurdo que ele ¿possivelmente não leu antes¿ o cordel:

¿ No fim, como não podia cortar o embalo do bonitinho, ficou o artista fazendo gracinha para um grupo de estudantes, em vez de se comportar como ministro de Estado.

Costa também sugeriu que Gil estaria se vingando da época em que, como senador, Costa foi contrário ao projeto da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav).

¿ Ele é o autor de algumas peças absolutamente dramáticas, que eu como senador acompanhei, como a criação do monstro Ancinav, que queria taxar em 4% todas as empresas de comunicação do país, para poder pagar as estripulias do doutor Gilberto Gil e seus amigos. Evidentemente, pode ser a partir daí que ele esteja aborrecido com o senador Hélio Costa e, por sua vez, é deselegante com o ministro Hélio Costa ¿ afirmou.

Para diretora, objetivo não era falar mal de Costa

A aula inaugural da Escola de Comunicação (Eco) da UFRJ foi realizada no auditório Pedro Calmon, no campus da Praia Vermelha, Zona Sul do Rio. Tanto o reitor da UFRJ, Aloisio Teixeira, quanto a diretora da Eco, Ivana Bentes, que assistiram à palestra, não enxergaram na leitura do cordel a expressão do posicionamento de Gilberto Gil no debate sobre TV digital ou sobre o ministro das Comunicações.

¿ Lamento que isso tenha dado margem a esse mal-entendido. Ele (Gil) estava dando uma aula de democracia, não estava acolhendo uma opinião, mas mostrando críticas que foram feitas ao próprio governo. Destacado do contexto, pode parecer indelicadeza, mas no contexto não foi isso ¿ disse o reitor.

Para Ivana, ¿ficou claro que o ministro estava expressando a opinião da autora, não uma briga de ministério¿:

¿ Não foi caso de polêmica. Se ela existe, não foi colocada na aula. Ele não veio à universidade para falar mal do Hélio Costa.